quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Dia da criança em mim






"Que saudade que eu tenho da aurora da minha vida"

Até meus sete anos eu vivia numa casa sem energia elétrica e ia dormir tão logo a noite trazia consigo a escuridão. Mas acordava às cinco da manhã tão feliz por ser dia, e com uma ânsia de viver, pois não pudia perder nenhum segundo da luz do sol.
Eu levantava cheio de energia, apesar, de muitas vezes ter apenas o café “churro” para tomar, como diz minha mãe. Eu adorava o cheiro da manhã, o ar frio em contraste com o sol forte das primeiras horas do dia, o barulho da colher no bule que evidenciava que tinha de fato o café. E não sinto que perdi nada com isto, pois sem luz e um mundo externo visível, só me restava imaginar - e como eu imaginei...

Também enquanto criança, lembro de ouvir boquiaberto um conto de fadas intitulado "a gata borralheira" na voz doce de uma vizinha que tinha uma habilidade louvável de contar a mesma estória de forma diferente inúmeras vezes. E como só vim a ler o primeiro livro com vinte e três anos, talvez tenha sido ela que me instigara o gosto pela literatura.

Minha infância tornou-me quem eu sou: todos os medos, todas as fantasias, a capacidade de criar, tudo fora desenvolvido enquanto criança. Eu não tinha livros, televisão, vídeo game, tinha apenas minha mente e mundo real a minha volta pra fugir da realidade.
Recordo-me de passar horas sentado próximo as plantinhas que cresciam no inverno a beira da estrada, sonhando acordado que eu tinha a habilidade de encolher, então os arbustos se tornavam florestas, as poças de água transformavam-se em rios, e eu era um soldado de guerra com a missão de salvar prisioneiros, como no filme do Chuck Norris que eu via na casa do vizinho.

Desde criança, sempre fui um apaixonado galante. Todo ano, invariavelmente, eu desenvolvia um amor daqueles dos cavaleiros da Távola redonda por alguma garota da escola. Eu sonhava salvando tais princesas de maus feitores tão comuns quanto eu. Somente eu via a nobreza das princesas, para todas as outras pessoas elas não passavam de plebeias que faziam cocô como todo mundo. Eu escolhia não acreditar e tudo era tão real e palpável.

Quando criança eu tinha medo de carro preto, de estrela cadente, de chupa cabra, do "assubiador", de ficar de vovó em brincadeiras de roda e muitos outros medos, mas hoje sou muito grato à cada um deles, pois me proporcionaram uma imaginação fértil cuja é a principal ferramenta do meu ofício.
Eu não cresci na era da tecnologia, da informação, da Pepa Pig, mas não me sinto superior por isso, nem inferior, me sinto apenas um privilegiado por talvez ter sido um dos últimos que teve a oportunidade de vivenciar experiências tão ricas.

"Que saudade que eu tenho da aurora da minha vida"




Samuel Ivani