domingo, 1 de novembro de 2015

Eles hão de chegar a mim



Tu há de chegar lá menino!
Tu é nordestino, tem o pescoço grosso e a cabeça chata.
Só tem que ir pro "Sul". Aqui as coisas são difíceis.
Tem que ir, trabalhar, juntar dinheiro.
Tu há de ser um garçom de primeira na cidade de São Paulo.
E quando voltar, há de comprar um carro,
construir uma casa e arranjar uma boa moça pra casar.
É o que todo mundo faz, é só não esquecer de quem tu é. 
Não esquecer da tua terra, esta que te mantém de pé.
Tu há de chegar lá menino!
O povo aqui tem poucas chances,
tem só que viver de diárias na enxada,
calejando as mãos e queimando a pele,
e apesar de ser um trabalho digno,
 não sustenta uma família com doze moleques.
Bem vê tu o exemplo do teu pai: 
trabalhou a vida toda e quase não tem um pedaço de terra pra morar.
Tu tem que ir embora, fugir desse destino,
voltar, montar o próprio negócio,
e viver de sombra e água fresca. 
Mas lá no "Sul" também não tem moleza,
tem que trabalhar no duro dia e noite. 
E não pode gastar mais do que o necessário,
apenas com vestes e aluguel,
senão não volta mais pro teu nordeste.
Mas tu há de chegar lá menino.

-  Mas eu não quero deixar minha terra. 
Lá não tem caju, nem manga que a gente come direto do pé. 
Tudo tem que comprar, até o ar que se respira.
E ninguém ajuda ninguém,
nem um copo d'água se recebe de graça.
Prefiro minha terrinha,
donde se acorda cedo,
Tem o canto dos pássaros pra acalmar os nervos,
lá só tem o barulho dos carros,
a fumaça entrando pelas fuças.
Homens, uns engolindo os outros
na ânsia por sobreviver.
Sem contar no preconceito. 
Ei de ir lá um dia, mas apenas quando for chamado pra receber um prêmio. 
Sei lá, um prêmio pela minha inutilidade nesse mundo vão.
Embora aqui também eu viva só em um mundo hipócrita,
pois tenho que nivelar meu nível intelectual à um patamar medíocre,
isso se eu quiser permanecer rodeado de gente. 
Aqui, se eu for eu, ninguém me entende. 

Estou condenando a solidão.