quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A força do querer



Como escritor, ele tinha grandes sonhos. 
Queria viver da sua literatura, 
ir a programas de entrevistas, 
visitar salões de festas pra conversar sobre a situação política nacional. 
Queria ganhar um Jabuti, um Nobel, 
queria morrer de overdose, de tuberculose,
queria saltar de um carro em movimento. 
E mais ainda: queria ser o escritor que "um dia disse", 
sabe, ouvir um político importante dizer numa entrevista oficial
que ele disse algo que fazia sentido. 
Queria condecorações, queria um busto na cidade natal.
Queria uma solenidade pra receber um diploma por honores causa. 
Queria tanta coisa. 
Queria encontrar por acaso alguém lendo seu livro num ônibus, então 
ser reconhecido pela foto na capa, impressionando assim os demais passageiros.
Queria ser convidado pra jantar em casas de pessoas comuns.
Queria andar de bicicleta nas estradas charmosas da Irlanda.
Queria amar uma poetiza da Cidade do Porto.
Queria sair a noite pra passear com o pudle da esposa. 
Queria receber ligações dos editores internacionais 
pressionando-o pra concluir o próximo livro.
Queria fazer os caminhos de Santiago del Compostela.
Queria dá uma palestra numa faculdade minúscula do interior 
a convite de um amor do passado.
Sonhava em morrer num dia importante e por uma causa importante. 
Ou melhor, queria ser além da triste frase "ele era uma boa pessoa". 
Ele queria tanta coisa, sonhava tão alto, como se fosse maior do que de fato era. 
Até que se apaixonou de novo pela enésima vez por uma moça de lábios sensuais e
pele cor de fim de tarde, e em face do amor, concluiu que desde que fosse com ela,
bastava uma casa de quatro cômodos e um emprego como professor numa escola primária.   


terça-feira, 16 de outubro de 2018

Sozinho


Numa tarde morna, sentado em um banco de praça de uma cidade que não era dele, aquele homem de quarenta um anos observava os transeuntes e verificava melancólico que ninguém daquela cidade era dele, e ele também não era de ninguém.

Vazio, ele  refletia sobre toda a sua vida até ali; contabilizava que dos amigos do passado, das pessoas que surgiram ao longo da sua existência, não restava mais um sequer ao seu lado. Nem mesmo recebia uma mensagem, um e-mail, um sinal de fumaça que fosse como prova de que alguém ainda se lembrava dele.

Ele olhava para o horizonte constatando que falhara em tudo. Ainda que tivesse uma carreira sólida, um nome no campo da filosofia pra zelar, falhara em tudo porque não tinha montado o seu mundo de gente.  Chega certo ponto que cães, gatos, peixes em aquários eletrônicos, não preenchem o vazio de pessoas que te amem verdadeiramente, ou por obrigação, por laços genéticos, pouco importa, mas todos precisamos de pessoas de modo a sentirmos que somos de alguém e que alguém é da gente. 
Ali, ele sentia que todo o egoísmo de sua juventude fora um grande erro. Arrependido, se deu conta que não devia ter deixado escapar todos os amores da sua vida. Pensou que devia ter lutado mais, nem que fosse pelo último amor eterno que imaginou que sentia. A saudade lhe ardia por dentro como gotas de sal num coração ferido. 

Eis que, pensando em desistir de tudo, ele sente uma pessoa se aproximar por trás e cobrir os seus olhos com umas mãos frias. Assustado, ele relembrou daquela brincadeira infantil com uma doce nostalgia, mas ao constatar a sua idade, se enrubesce ao perceber o quão ridículo aquela cena parecia aos olhos dos jovens que passeavam na praça àquela hora. Ele toca as mãos por ora estranhas e notou a maciez e o cheiro de mãos femininas. Minuciosamente tocou  as unhas de todos os dedos constatando que eram curtas, fato relevante apenas para ele.
Mas cansado das desilusões da vida real, ele resolveu acabar com a brincadeira alegando que  fosse quem fosse não seria mesmo quem ele queria que fosse, então era melhor que se revelasse, poupando os dois daquele embaraço.  Mas a pessoa ignorou seu pedido e continuou. Ocorreu naquele homem escaldado pela realidade que, já que não tinha jeito, era melhor entrar na brincadeira e começar chutar nomes, assim, pelo menos, ele adiaria a decepção de não ser quem ele desejava.

Depois de citar dezessete nomes de pessoas do trabalho sem êxito, ele passou realmente acreditar que talvez fosse alguém do seu passado. Um filme passava em sua cabeça enquanto o calor do seu desejo já aquecia aquelas mãos outrora frias. “E se fosse aquele sorriso que eu tanto amei? E se fosse aquela de voz grave e suave como da âncora do jornal das sete que eu tanto amei? E se fosse aqueles olhos negros, acompanhado daqueles cabelos naturalmente lisos que eu tanto imaginei afastando uma mecha do rosto pra um beijo na testa? Ah se fosse..."
O seu coração parecia que ia saltar pela boca, suas pernas tremiam e mais indagações lhe surgiam:
“Se realmente for ela? O que eu vou dizer? Provavelmente nada. Sempre tive dificuldade de falar com ela. Talvez eu aperte aquele abraço nunca dado que até hoje guardo em meus braços.”  
Eis que, naquele momento, nitidamente o seu nervosismo transpareceu ao ponto de não lhe ocorrer mais nomes pra chutar e o silêncio prevaleceu. Diante do silêncio, as mãos levemente começaram afrouxar libertando assim os seus olhos. À medida que ele voltava a ver a luz do dia, o seu nervosismo aumentava. “Tinha quer ser ela”. Repetia ele consigo mesmo essa frase tal qual um mantra de meditação. 

Ao vislumbrar novamente a realidade, o medo, aquele companheiro que lhe acompanhara a vida toda e que fez com que ele afastasse, ou se afastasse de todas as pessoas que amou ao longo da vida, reapareceu das cinzas como a Fênix. Em silêncio, ele sentia a presença da pessoa ainda ali, mas ela também permanecia em silêncio. Certamente ela esperava que ele virasse  a cabeça e constatasse surpreso e feliz que de fato era aquela quem um dia ele amou. Mas passou-se um minuto, dois, três, nem ele, nem ela, disseram uma palavra sequer. Depois de mais ou menos cinco minutos, ele sente alguém se afastar vagarosamente até o ponto de sua presença não ser mais percebida. O seu pescoço não girou, suas mãos não se rebelaram em gesto algum, seus olhos, pobres coitados, lacrimejavam, mas de nada adiantava mais. Ela já tinha desaparecido no horizonte por trás dele.   

Naquela tarde, aquele homem escolheu viver com a certeza que a responsável por aquela brincadeira era mesmo a morena que um dia ele amou. Ele viveria pra sempre sozinho, mas convicto do mundo que ele próprio criara pra si.

domingo, 5 de agosto de 2018

Nuvens de Sião




Ah! Se eu pudesse me teletransportar até a corrida de trens no hemisfério sul.
Puta vida sem graça! Puta saudade sem ar!
A cabeça dos antílopes de Guadalajara!
A momentânea e estreita esteira que pisa a minha vida sem causa.
A culpa é dos sonhadores.
A culpa é dos corredores de maratonas que se desvencilharam das correntes no século passado.
A culpa é minha. A culpa sempre foi minha.
Meus rios correm para os desertos dos olhos da morena que amou o outro em dezembro.
Tragam o pinheiro para enfeitar com minhas dores, meus perrengues, meu histórico de seis e meio, meus quilos de solteiro.
A culpa sempre foi das lagartas que não se transformaram em borboletas no outono de 89.
 A culpa foi dos olhos que não viram meus pés sujos a correr rumo as palavras nunca ditas.
Ah, se eu soubesse que não morreria, teria feito mais planos...
Maldita certeza da morte.
Mas aqueles que pensam que não durarei mais trinta anos, se enganam.
Aqueles que pensam que eu não durarei mais dez eternidades, morrerão esperando.
Se querem meu sangue, terão, mas já coagulado e servido como o prato principal no jantar que hipocritamente chorarão no dia da minha beatificação.
Se ao menos eu pudesse confeccionar pulseiras sem graça na lagoa de terceiros.
Se ao menos eu sonhasse em ser o senhor das tuas mãos frívolas de cangaceira.
Está tudo errado! Tudo sempre foi um erro.
Se me pudessem retirar o que ainda faz sentindo, me restaria somente o que eu sou.
Se me pusessem numa rinha, eu morreria entre as asas do galo que ainda não tinha entrado no rolo.
Se virassem os sois pra esquerda, eu continuaria caminhando em direção a noite, mesmo sabendo que morreria de escuridão.
Se virassem as nuvens do avesso, restaria meus sonhos de algodão.
Se colocassem o céu de ponta cabeça, ainda assim, a maioria veria o paraíso ao erguer os olhos.
- Sente-se, vamos conversar. Está tudo virado.
Está tudo de cabeça pra baixo e as pessoas continuam acreditando que merecem o céu.
Eu não sei aonde vamos parar;
Talvez no metrô que transportou as dinamites que soterraram os canários que cantavam para o rei.
Talvez paremos em frente a moça de pele rosada que acena com a mão no intuito de ir pra qualquer lugar onde ainda se mastigam chicletes baba de moça.
Ah! Grite. - Dizia ele - Nada faz sentindo.
 Mas não deve ter sentido mesmo.
Sentido tinha quando as pessoas ainda fingiam que sentiam.
Agora todo mundo demonstra as claras a falta de empatia, a falta de sabor nos dias. 
Já não precisa ter sentido...
Agora eu, aquele que nunca sentiu, sou tratado de sentimental.
Eu que nunca fui rei, me coroaram numa tarde de terça o rei do milharal.
Eu, que nunca amei, me conferiram o título do amante mais sem coração.
Se me chamassem de estranho, eu entenderia.
Se me chamassem de cuzão, eu entenderia, mas de rei?
Não sou rei nem mesmo das tanajuras que alimentam os tatus na Caatinga brasileira.
De fato, tudo é muito estranho e cheio de certezas.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Alamanda




Só hoje já morri dez vezes.
Mas não de sopapo; aquela morte rápida e imperceptível.
Não. Antes fui xingado de incompetente, de inútil, sem perspectiva;
me cuspiram a cara, me senti mil vezes reles, mil vezes vil,
foi então que me socaram, me jogaram pedras e fui morto sem chances de defesa.
Pronto, por essa altura já foram onze vezes...
Só hoje, por falta de suor, senti-me diversas vezes tal qual uma flor de alamanda presa ao arame farpado na cerca da vizinha, sem a menor chance de ser levada pelo vento.
E não se enganem, os meus assassinos, os meus grilhões, moram em mim mesmo.
Quem os colocou lá, ou aqui, é o que me intriga.
Metade deles eu sei que eu mesmo os transportei numa carruagem com rodas quadradas pra dentro de mim mesmo, mas e a outra metade? 
- Eu não fui!
Uns talvez eu já os trouxe no sangue, mas tem uns que cresceram em mim tal qual semente na terra árida, pelas vias tortuosas do meu passado e são fortes como aço. 
Mas tem outros que vieram sabe-se lá de onde.
Por sorte, tenho ressuscitado numa quantidade de vezes maior que tenho morrido, senão, minhas mãos hoje já estariam alimentando um frondoso tamarineiro na ala sul de um terreno que nunca foi meu.
Aqueles que me têm muito amor pensam que nunca me deu vontade de desistir de tudo e ir alimentar um rebanho de cabras leiteiras. 
Se enganam; eu largo tudo trintas vezes ou mais todos os dias. 
Por sorte, os meus lopsos de descrença não se sobrepõem a minha vontade de vencer, 
senão agora, eu poderia estar limpando a terra das unhas que adquiri enquanto fixava um mourão em qualquer lugar perto daqui.
Por sorte,  à medida que me sinto uma erva daninha presa a areia por raízes rasas, segundos depois, já me sinto um pardal de cumeeira, capaz de voar o mundo em busca dos meus sonhos. Porque eu sou assim, um louco - e somente os loucos conquistam o impossível.

domingo, 1 de julho de 2018

A saudade anfíbia

Escrevi esse texto deixando fluir meus pensamentos, tentando ao máximo me desvincular da vontade humana. O que me vinha a mente, eu escrevia. 
Esta ideia me surgiu enquanto apreciava as pinturas de Pollock, que mais parecem pintadas pela natureza instintiva, sem a intervenção da vontade. 


Uma sacola de supermercado pareia sob a saia de uma moça que finge não ver o bueiro.
O soldado que chora ao ver seu retrato finge amá-la como amou a Cida do primário.
Talvez a ame mesmo.
Quem são os suricatos pra julgar quem ama quem nesse mundo de nada?
Ora, quem são as sardinhas, abafadas entre latas, pra entender de liberdade ou prisão?
Os sonhos do soldado se resumem aquele retrato.
Meus sonhos se resumem ao um pacato couve flor numa horta de uma senhora sem lábios.
Duvidas?
Há pessoas que não tem olhos, nariz ou boca. Há pessoas que faltam tudo.
Minha cabeça permeia o soldado que luta e a garota que pousa para a foto.
Ela mora na rua dos bobos, número zero, e se pensa, pensa pouco, quase nada.
Tudo é vazio, e eu sou cheio, cheio de vontade, de Angelina, de saudade.
Se eu fosse vazio, me sobraria espaço para tudo.
Estou farto de tudo isto.
Mas não fui eu quem disse isso, foi Fernando Pessoa.
Meus dedos doem, não tanto quanto os dedos do soldado que aperta o gatilho contra o peito de inimigos que não são dele.
Doem meus olhos, pois perdi meus óculos enquanto ia de bar em bar inebriado com o perfume que exalava por entre as pernas de uma moça em minha mente.
Ah, tudo dói. Viver dói. Senão doesse, dizia Rachel, não seria vida.
Eu queria passar na porteira que passou o boi de piranha.
Eu queria ser o feijão do arroz carreteiro.
É uma cultura que só vi na tv, não devia mencioná-la em lugar algum.
Eu devia ser o chapéu dos vaqueiros na caatinga, ou os macacos que os caçavam no mato de espinhos,
ou mesmo a garota da foto do soldado que arrancou a cabeça de Lampião.
Eu, capitão do exercito, um herói sem feitos, um homem ridículo que diz coisas mais ridículas que o bobo da corte de Napoleão.
Se tu minha alma, canta a ti Senhor.
Se tu minha acalma, procura-me sem pudor.
Se tu se achas, morre que eu não sou rico nem cheio de amor.
Que rimas ridículas.
Tudo em mim é ridículo; das minhas chinelas Dupé,
ao meu cabelo cortado degradê na esperança de me sentir
perdido entre monstros da sociedade.
Sou um anfíbio morrendo longe da água fria.
Sou um jipe carregando mangas para as menininhas na praia do Itarema.
De saias curtas, pele escura, fome que não se equivale à virgindade,
elas riem, distraem o vendedor de mangas e roubam a fome de algum urubu há seis quilômetros dali.
Que vontade doida de chorar.
Já não sei se penso;  se morro; se vivo; se caso;
 se tenho filhos, se deixo os marmanjos fugirem com minhas filhas recém-adolescentes.
“Que vontade doida de gritar; quer já tortura infinda que é demência...”
E os marcianos que se aproximam com suas naves pra sugar o meu sangue?
Que se alimentem de mim, os terráqueos não querem.
Que vivam de mim, porque de mim, só morro, só dunas, só loucos.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Poema em crescimento



Você precisa ir morar sozinha, contrair uma gripe,
fazer o próprio chá e tomar de uma vez sem fazer careta.
Você precisa da sensação de deitar a noite e notar que precisa de mais um lençol porque tá frio
e diante da impossibilidade do lençol se materializar sobre seu corpo
levantar-se para ir buscá-lo no quarto ao lado.
Você precisa comprar mamão nas tardes de quarta e comê-lo natural
mesmo jugando que batido no liquidificador seria bem melhor.
Você precisa chorar porque está sozinha.
Você precisa chorar em silêncio mesmo sabendo que se gritasse,
ninguém ouviria ou viria com algumas palavras de consolo.
Você precisa comprar um peixe Beta e se impor a missão de fazê-lo viver mais de seis meses sob seus exclusivos cuidados.
Talvez devesse também ter uma planta carnívora, pra numa madrugada estranha, lhe ocorrer que a pobre planta iria morrer de fome daqui meia hora caso alguém não a alimentasse
com uma mosca doméstica, e de chofre perceber desolada, que moscas não têm hábitos noturnos.
Você devia repetir mais vezes: Problema seu! Foda-se!
Me desculpa! Foi sem querer! Agi por impulso...
Você precisa experimentar a sensação de acertar a canela na quina da cômoda e não contar a ninguém.
Na verdade você precisa fazer mais coisas que não precise contar a ninguém.
"Quanto tempo faz que eu fiz algo bom que não precisei contar pra alguém?
Não por embaraço, ou medo, mas simplesmente porque só a mim interessa e a mais ninguém?
Quanto tempo faz que eu não me permito a individualidade?
Quanto tempo faz que eu só sigo os protocolos,
somente tocando incessantemente as setes notas nas regras predispostas sem nem me perguntar se acho tal sequência imutável bela, ou se eu me sinto Eu seguindo os dias numa esteira em que os ponteiros do relógio giram, mas os cenários são sempre os mesmos, os sonhos são sempre os mesmos? Será que eu não mereço querer mais? Ainda que esse mais nunca seja meu?
Que importa? Acaso a mente não é minha? A vida não é minha?
Você precisar tomar a decisão de crescer!

domingo, 10 de junho de 2018

Asas de condor


Nasci nu, me vestiram de humanidade, de sociedade, me tornei pomposo, com sonhos reais, sem vida real, me senti ninguém.
Resolvi então me despir de tudo e me tornei alguém, foi quando o mundo me viu um ninguém.
Já não tinha sonhos materiais, não pensava em construir qualquer coisa que não fosse a obra da minha vida.
Não me compreenderam.
Me tornei um pobre coitado, um lobo da estepe;
Uma flor de laranjeira no quintal de casa.
Me compararam a homens de terras, de abelhas, de vargens numa plantação de inverno.
Tudo isso no intuito de me converterem aos objetivos que eles podiam conceber. Falharam.
Eu não havia nascido pra nada de palpável.
"Um boêmio incapaz de construir qualquer coisa.
Morrerá em algum abrigo de algum parente solidário uma vez que não construiu um lugar pra ficar." Diziam eles.
"Que custa um emprego? Uns poucos metros de terra, um carro...?!
Ah! Que custa um sonho real como aumentar esta tal casa, comprar um carro melhor?
Ora, engaiola este maldito sanhaçu que saltita nos pastos verdejantes do teu peito!
Pássaro solto não canta na sala de estar.
Pássaro nos galhos de árvores alheias não enfeitam uma travessa no dia de natal."
Não compreenderam que eu fui me construindo dentro de mim e, naturalmente, deteriorando a minha imagem que o mundo real refletia.
Como se a cada nova convicção baseada em meus sonhos, por assim dizer, impossíveis, fosse retirado mais um adereço do homem suportável, construído a base de sonhos reais, de relações duradouras que eu fui no passado; naquele longínquo passado em que eu ainda permitia que a sociedade me impusesse tutti quanti coubesse a um pedaço de carne que teve o azar de nascer nesta terra.
Não vou dizer que seja fácil o sacrifício.
Me custa não ornar vestes da moda. Me custa não ser um bom pretendente a quem quer que seja. Me custa quando me olham com desprezo ao constatarem que eu nunca serei alguém.
Como se isso dependesse dos olhares deles, e não da minha luta pessoal.
Eles falharam em todas as tentativas de me revestir de sociedade e de anseios comuns novamente. Mas antes a falha deles do que a minha.
Ainda que eu nunca chegue ao final do arco-íris, saibam que eu lutei como pude pra ser alguém. Talvez não o tipo de alguém que mentalizaram, ou que sonharam que eu me tornasse, mas alguém em que eu sei que refletia ao mundo que eu já sou em minhas convicções.