domingo, 1 de julho de 2018

A saudade anfíbia

Escrevi esse texto deixando fluir meus pensamentos, tentando ao máximo me desvincular da vontade humana. O que me vinha a mente, eu escrevia. 
Esta ideia me surgiu enquanto apreciava as pinturas de Pollock, que mais parecem pintadas pela natureza instintiva, sem a intervenção da vontade. 


Uma sacola de supermercado pareia sob a saia de uma moça que finge não ver o bueiro.
O soldado que chora ao ver seu retrato finge amá-la como amou a Cida do primário.
Talvez a ame mesmo.
Quem são os suricatos pra julgar quem ama quem nesse mundo de nada?
Ora, quem são as sardinhas, abafadas entre latas, pra entender de liberdade ou prisão?
Os sonhos do soldado se resumem aquele retrato.
Meus sonhos se resumem ao um pacato couve flor numa horta de uma senhora sem lábios.
Duvidas?
Há pessoas que não tem olhos, nariz ou boca. Há pessoas que faltam tudo.
Minha cabeça permeia o soldado que luta e a garota que pousa para a foto.
Ela mora na rua dos bobos, número zero, e se pensa, pensa pouco, quase nada.
Tudo é vazio, e eu sou cheio, cheio de vontade, de Angelina, de saudade.
Se eu fosse vazio, me sobraria espaço para tudo.
Estou farto de tudo isto.
Mas não fui eu quem disse isso, foi Fernando Pessoa.
Meus dedos doem, não tanto quanto os dedos do soldado que aperta o gatilho contra o peito de inimigos que não são dele.
Doem meus olhos, pois perdi meus óculos enquanto ia de bar em bar inebriado com o perfume que exalava por entre as pernas de uma moça em minha mente.
Ah, tudo dói. Viver dói. Senão doesse, dizia Rachel, não seria vida.
Eu queria passar na porteira que passou o boi de piranha.
Eu queria ser o feijão do arroz carreteiro.
É uma cultura que só vi na tv, não devia mencioná-la em lugar algum.
Eu devia ser o chapéu dos vaqueiros na caatinga, ou os macacos que os caçavam no mato de espinhos,
ou mesmo a garota da foto do soldado que arrancou a cabeça de Lampião.
Eu, capitão do exercito, um herói sem feitos, um homem ridículo que diz coisas mais ridículas que o bobo da corte de Napoleão.
Se tu minha alma, canta a ti Senhor.
Se tu minha acalma, procura-me sem pudor.
Se tu se achas, morre que eu não sou rico nem cheio de amor.
Que rimas ridículas.
Tudo em mim é ridículo; das minhas chinelas Dupé,
ao meu cabelo cortado degradê na esperança de me sentir
perdido entre monstros da sociedade.
Sou um anfíbio morrendo longe da água fria.
Sou um jipe carregando mangas para as menininhas na praia do Itarema.
De saias curtas, pele escura, fome que não se equivale à virgindade,
elas riem, distraem o vendedor de mangas e roubam a fome de algum urubu há seis quilômetros dali.
Que vontade doida de chorar.
Já não sei se penso;  se morro; se vivo; se caso;
 se tenho filhos, se deixo os marmanjos fugirem com minhas filhas recém-adolescentes.
“Que vontade doida de gritar; quer já tortura infinda que é demência...”
E os marcianos que se aproximam com suas naves pra sugar o meu sangue?
Que se alimentem de mim, os terráqueos não querem.
Que vivam de mim, porque de mim, só morro, só dunas, só loucos.

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