quinta-feira, 19 de julho de 2018

Alamanda




Só hoje já morri dez vezes.
Mas não de sopapo; aquela morte rápida e imperceptível.
Não. Antes fui xingado de incompetente, de inútil, sem perspectiva;
me cuspiram a cara, me senti mil vezes reles, mil vezes vil,
foi então que me socaram, me jogaram pedras e fui morto sem chances de defesa.
Pronto, por essa altura já foram onze vezes...
Só hoje, por falta de suor, senti-me diversas vezes tal qual uma flor de alamanda presa ao arame farpado na cerca da vizinha, sem a menor chance de ser levada pelo vento.
E não se enganem, os meus assassinos, os meus grilhões, moram em mim mesmo.
Quem os colocou lá, ou aqui, é o que me intriga.
Metade deles eu sei que eu mesmo os transportei numa carruagem com rodas quadradas pra dentro de mim mesmo, mas e a outra metade? 
- Eu não fui!
Uns talvez eu já os trouxe no sangue, mas tem uns que cresceram em mim tal qual semente na terra árida, pelas vias tortuosas do meu passado e são fortes como aço. 
Mas tem outros que vieram sabe-se lá de onde.
Por sorte, tenho ressuscitado numa quantidade de vezes maior que tenho morrido, senão, minhas mãos hoje já estariam alimentando um frondoso tamarineiro na ala sul de um terreno que nunca foi meu.
Aqueles que me têm muito amor pensam que nunca me deu vontade de desistir de tudo e ir alimentar um rebanho de cabras leiteiras. 
Se enganam; eu largo tudo trintas vezes ou mais todos os dias. 
Por sorte, os meus lopsos de descrença não se sobrepõem a minha vontade de vencer, 
senão agora, eu poderia estar limpando a terra das unhas que adquiri enquanto fixava um mourão em qualquer lugar perto daqui.
Por sorte,  à medida que me sinto uma erva daninha presa a areia por raízes rasas, segundos depois, já me sinto um pardal de cumeeira, capaz de voar o mundo em busca dos meus sonhos. Porque eu sou assim, um louco - e somente os loucos conquistam o impossível.

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