domingo, 5 de agosto de 2018

Nuvens de Sião




Ah! Se eu pudesse me teletransportar até a corrida de trens no hemisfério sul.
Puta vida sem graça! Puta saudade sem ar!
A cabeça dos antílopes de Guadalajara!
A momentânea e estreita esteira que pisa a minha vida sem causa.
A culpa é dos sonhadores.
A culpa é dos corredores de maratonas que se desvencilharam das correntes no século passado.
A culpa é minha. A culpa sempre foi minha.
Meus rios correm para os desertos dos olhos da morena que amou o outro em dezembro.
Tragam o pinheiro para enfeitar com minhas dores, meus perrengues, meu histórico de seis e meio, meus quilos de solteiro.
A culpa sempre foi das lagartas que não se transformaram em borboletas no outono de 89.
 A culpa foi dos olhos que não viram meus pés sujos a correr rumo as palavras nunca ditas.
Ah, se eu soubesse que não morreria, teria feito mais planos...
Maldita certeza da morte.
Mas aqueles que pensam que não durarei mais trinta anos, se enganam.
Aqueles que pensam que eu não durarei mais dez eternidades, morrerão esperando.
Se querem meu sangue, terão, mas já coagulado e servido como o prato principal no jantar que hipocritamente chorarão no dia da minha beatificação.
Se ao menos eu pudesse confeccionar pulseiras sem graça na lagoa de terceiros.
Se ao menos eu sonhasse em ser o senhor das tuas mãos frívolas de cangaceira.
Está tudo errado! Tudo sempre foi um erro.
Se me pudessem retirar o que ainda faz sentindo, me restaria somente o que eu sou.
Se me pusessem numa rinha, eu morreria entre as asas do galo que ainda não tinha entrado no rolo.
Se virassem os sois pra esquerda, eu continuaria caminhando em direção a noite, mesmo sabendo que morreria de escuridão.
Se virassem as nuvens do avesso, restaria meus sonhos de algodão.
Se colocassem o céu de ponta cabeça, ainda assim, a maioria veria o paraíso ao erguer os olhos.
- Sente-se, vamos conversar. Está tudo virado.
Está tudo de cabeça pra baixo e as pessoas continuam acreditando que merecem o céu.
Eu não sei aonde vamos parar;
Talvez no metrô que transportou as dinamites que soterraram os canários que cantavam para o rei.
Talvez paremos em frente a moça de pele rosada que acena com a mão no intuito de ir pra qualquer lugar onde ainda se mastigam chicletes baba de moça.
Ah! Grite. - Dizia ele - Nada faz sentindo.
 Mas não deve ter sentido mesmo.
Sentido tinha quando as pessoas ainda fingiam que sentiam.
Agora todo mundo demonstra as claras a falta de empatia, a falta de sabor nos dias. 
Já não precisa ter sentido...
Agora eu, aquele que nunca sentiu, sou tratado de sentimental.
Eu que nunca fui rei, me coroaram numa tarde de terça o rei do milharal.
Eu, que nunca amei, me conferiram o título do amante mais sem coração.
Se me chamassem de estranho, eu entenderia.
Se me chamassem de cuzão, eu entenderia, mas de rei?
Não sou rei nem mesmo das tanajuras que alimentam os tatus na Caatinga brasileira.
De fato, tudo é muito estranho e cheio de certezas.

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