quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A força do querer



Como escritor, ele tinha grandes sonhos. 
Queria viver da sua literatura, 
ir a programas de entrevistas, 
visitar salões de festas pra conversar sobre a situação política nacional. 
Queria ganhar um Jabuti, um Nobel, 
queria morrer de overdose, de tuberculose,
queria saltar de um carro em movimento. 
E mais ainda: queria ser o escritor que "um dia disse", 
sabe, ouvir um político importante dizer numa entrevista oficial
que ele disse algo que fazia sentido. 
Queria condecorações, queria um busto na cidade natal.
Queria uma solenidade pra receber um diploma por honores causa. 
Queria tanta coisa. 
Queria encontrar por acaso alguém lendo seu livro num ônibus, então 
ser reconhecido pela foto na capa, impressionando assim os demais passageiros.
Queria ser convidado pra jantar em casas de pessoas comuns.
Queria andar de bicicleta nas estradas charmosas da Irlanda.
Queria amar uma poetiza da Cidade do Porto.
Queria sair a noite pra passear com o pudle da esposa. 
Queria receber ligações dos editores internacionais 
pressionando-o pra concluir o próximo livro.
Queria fazer os caminhos de Santiago del Compostela.
Queria dá uma palestra numa faculdade minúscula do interior 
a convite de um amor do passado.
Sonhava em morrer num dia importante e por uma causa importante. 
Ou melhor, queria ser além da triste frase "ele era uma boa pessoa". 
Ele queria tanta coisa, sonhava tão alto, como se fosse maior do que de fato era. 
Até que se apaixonou de novo pela enésima vez por uma moça de lábios sensuais e
pele cor de fim de tarde, e em face do amor, concluiu que desde que fosse com ela,
bastava uma casa de quatro cômodos e um emprego como professor numa escola primária.   


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