Aquele nobre pássaro, não nascera nobre, não queria ele ser nobre.
Mas o enobreceram por nascer sem uma das asas.
Todos o tratavam como rei, e por uma asa que lhe faltava,
Livrou-se ele de inúmeros impropérios
Cujo estes, tornariam
a sua vida demasiadamente árdua;
- vejam que sorte:
Não foi preciso ensiná-lo
a voar.
Não! Não lhe foi dado nem aquele empurrãozinho,
Que o forçaria aprender
a voar, só para livrar-se da queda...
E se não precisava voar, não podia responsabilizar-se
Por buscar seu próprio alimento...
Vejam que vantagem: para ele, respirar bastava.
Pássaro sortudo, por nascer sem uma das asas,
Não teve ele que gastar tempo com as inúmeras lições
Que tanto chateiam a
vida.
Não foi preciso
ensiná-lo sobre o mundo.
Bem, ao menos o mundo que não podia ver com seus olhos sem
asas.
Mal sabiam eles, que basta um metro a nossa volta,
Pra imaginarmos tantos outros que não vemos, basta curiosidade.
Mas foram espertos, não o permitiram que tivesse
curiosidade,
Pois só o torturaria. Julgaram que não precisava ele
Conhecer um mundo de que não desfrutaria.
Pensaram também, se ele não podia voar,
Não precisava saber o porquê de fugir do frio no inverno.
Não lhe ensinaram para qual direção ir. Ele não precisava,
Ninguém o deixaria ir a lugar nenhum sozinho.
Não lhe ensinaram a pegar as correntes de ar para poupar
energia.
Bastava para ele, que
os outros o levasse pra longe do frio.
- Reparem, não tinha ele que gastar energia com nada.
Era deveras um pássaro nobre...
Não o ensinaram a reconhecer os predadores.
- Faltava-lhe uma asa, que predador o atacaria?
Porém, refletiram um pouco e concluíram:
Falta-lhe uma asa, é muito vulnerável,
Qualquer predador, por menos eficiente que seja, conseguiria
devorá-lo.
Então lhe ensinaram todas as formas que conheciam de fuga,
Todas as formas de manter-se escondido,
Tipo: começar correr hoje, do perigo de amanhã.
Não o ensinaram, no entanto, a enfrentar nada, apenas fugir.
Nobre pássaro faltava-lhe uma asa, não tinha chance se
lutasse.
Também não lhe ensinaram a construir seu próprio ninho,
Se não tinha uma das asas, não precisava viver sozinho...
Julgaram todos, que por esta falta, ele também não
precisaria amar...
Tão pouco, aprenderia a amar...
Não atentaram, no entanto, que o amor não é preciso ensinar.
Na verdade, certamente, julgaram todos, que ninguém o
amaria...
Este julgamento partia do argumento, que eles mesmos, não amariam.
Logo, não o ensinaram a cuidar de seus futuros filhos.
Julgaram que por não possuir uma das asas, sequer os teria.
Ele era mesmo, um nobre pássaro sortudo.
Não lhe ensinaram o
nobre canto para expressar o amor.
Como se ele não tivesse coração, garganta ou bico.
Tolos! Mal sabiam eles que todos possuem dentro de si o
canto.
E mesmo, não adianta ensinar o que se sabe sobre o amor,
As notas são iguais, mas todo mundo canta diferente...
Era ele sempre lembrado, ninguém o esquecia.
Todos faziam tudo por ele,
Também pudera..., lhe faltava uma asa!
Nada o ensinavam fazer sozinho.
Esqueceram, no entanto, de perguntar se ele gostaria de
aprender.
Ou mesmo o que podia fazer sozinho.
O nobre pássaro era realmente nobre.
Todos tinham pena dele, o paparicavam,
O ajudavam em tudo, o carregavam pra todo lado,
Todos notavam a asa
que lhe faltava.
No entanto, ninguém via a outra asa que tinha,
Não via suas belas penas, ou que ele podia cantar.
Não via suas duas pernas, sequer o deixava usá-las.
Aquele nobre pássaro, não nascera nobre, não queria ser
nobre,
Mas o enobreceram porque lhe faltava uma das asas...
E o resto, pouco importava...
SAMUEL IVANI