Biblioteca de Rachel de Queiroz
Ocorreu-me que sou um saco de
pancadas que as pessoas pensam que jamais se magoa; que não sofre as
consequências comuns a todos. Talvez pensem assim devido o fato que não possuo
ninguém e também não sou de alguém e, por esta razão, sou apto a receber todas
as pancadas da vida, pois todos julgam que as aguento sem titubear mais que
qualquer um. “Sem contar que não há quem o defenda.” Não sei! Talvez me julguem assim devido a
minha habilidade de contar até o fato mais ignóbil de forma divertida. Ou me
julgam digno de toda dor mesmo, pois sou como poeira, sem alicerces, sem coerência, sem objetivos concretos comuns a
maioria; um pobre coitado sem perspectivas, já que não leva nada a sério. Que culpa tenho eu,
se a única coisa que levo a sério é a literatura e todos que conheço tratam como inútil nos
tempos de hoje! Sou como um bobo da
corte, que todos julgam boa companhia até o ponto de que precisam de um bode expiatório
para culpar por qualquer coisa, afinal todos têm uma reputação a resguardar,
têm pessoas a quem não querem magoar e, eu, não tenho nada disso. Sou um
graveto descartável tão pequeno que não serviria nem para acrescentar na
fogueira para acalentar o frio de uma noite gelada.
Eu sou sozinho e vago
sem destino, portanto, ponham-me em meio aos escarnecedores, aos desonestos,
ponham-me no pote de barro dos que não possuem coração que isso não me fará mal
algum. “E se fizer, ele merece todos os impropérios do mundo mesmo, pois é um ateu irremediável e já se encontra automaticamente
no inferno.” E ai vem mais uma lista de
infinitas humilhações: “Ele Não tem
posses, não tem coragem, é um vagabundo, vive como um parasita à custa dos
outros. Há de morrer sozinho e pobre, como o pai. Não possui honra, é um traidor que na primeira
oportunidade troca os amigos por qualquer moeda de prata ou por um rebolado de
alguma adolescente sem juízo.” - Não sou nada disso!-
Eles
jamais entenderão que eu não posso me render a minha realidade mesquinha; que
eu possuo a mente de um gênio e que, por esta razão, eu preciso sacrificar-me
por minha arte
- Ah Samuel, quantos
sacrifícios fazes por tua arte. Poderia ser um frentista de posto com um
salário fixo, poderia ser um professor de destaque na rede pública, mas não, é
um gênio passando fome. Grande bosta és Samuel; um inútil que acha que possui
uma grande mente como dos gênios do
passado, porém, jamais teve ou criou uma grande obra e nem sequer é visto por
aqueles que lhes tem a um palmo das fuças.
Mas Não
importa quantas humilhações ainda eu tenha que sofrer calado, se bem que,
quando não tenho calado tenho sido mais ridículo ainda, como bem disse Fernando
Pessoa. Não importa! Eu irei suportar até as últimas consequências, minha
literatura vale a pena, embora não seja nada para os demais. Vou morrer pelo o
que acredito e quando o último soldado for abatido e restar apenas eu e o fumo
das balas inimigas, eu estarei lá, esperando o chumbo que me atingirá o peito,
mas com a minha bandeira erguida e com a
certeza que não morrerei como um covarde.
No fim, eu não terei a sensação que sucumbi à ordem da vida; não terei a dura
sensação de que não fui eu porque me rendi à vida ao meu redor que exigia que
eu fosse só mais um moldado segundo um padrão preestabelecido com o bordão: só
assim, se consegue vencer na vida. Não serei um deles! Eles serão esquecidos como todos os covardes
que não compreendem que a vida real pode ser muito mais que um punhado de
moedas de ouro acumuladas ao longo do tempo.
Quando eu ouço calado os
impropérios que a mim proferem, não pensem que é porque me faltam argumentos ou
qualquer coisa que o valha que não retruco. Não digo nada porque sei que minhas
palavras são preciosas demais para serem desperdiçadas em meio a gritos de
ignorantes. Minhas palavras objetivam semear a paz e não a discórdia. Minhas
palavras objetivam reconciliar o pai com o filho, o irmão com o irmão. Vim trazer a rosa e não a espada! Minha
luta é interna e todos os sacrifícios e
as humilhações que sofro apenas me tornam mais forte e mais convicto de quem
sou. Ainda hão de ver eles as alturas que chegarei e, senão chegar, eu morrerei
com a certeza que fiz o que podia e não me acovardei um minuto que fosse.
Literatura, humanidade, viverei e
morrerei por isso!