segunda-feira, 3 de abril de 2017

Eu preciso falar sobre o verão de 1993 Capítulo VIII









O mais estranho de tudo que Carina havia confessado, era o fato dos outros três rapazes não terem desconfiado do bendito filho do delegado sobre o que aconteceu com a gente. Qualquer idiota juntaria os fatos e concluía que ele era o culpado, já que aquele crime foi por muito tempo assunto principal na cidade. Ou eles estavam protegendo o amigo, ou também estavam sendo enganados, mas não era possível que eles não ficassem curiosos a respeito. Aquela história estava mal contada, ainda tinha muita coisa que eu não sabia, mas Carina talvez não tivesse pensado nesses por menores, ou, ela ainda estava me escondendo muita coisa, sei que pra me proteger, mas se tivesse eu precisava saber. O problema é que ela sendo a mais velha, eu tinha pouca autoridade sobre ela e não tinha coragem de perguntar; e também, depois daquela nossa conversa esclarecedora no quarto, ela simplesmente nunca mais tocou no assunto e eu relevei, pois estava vivendo um momento tão feliz que até meu desejo de vingança tinha desaparecido, embora não pra sempre.

Os dias se passaram, a vida escolar estava bem normal, a caminhada até a escola, no entanto, tinha muito mais graça, pois eu e Carina conversávamos o percurso inteiro. Ela me falava do seu namorado incrível, embora eu não pudesse conhecer, por questões de logística ou coisa parecida. Eu tava crente que ia conseguir levar uma vida perfeitamente normal, sem surtos de raiva, sem desejos de vingança. Até os sonhos horríveis tinham se esvaído pra qualquer lugar que eu prefiro não comentar. Parecia que minha vida estava finalmente entrando nos eixos, mas uma vez ferida, a cicatriz sempre estará lá pra doer nos dias frios - e foi o que aconteceu.

No meu aniversário de quinze anos, eu acordei diferente, como se eu carregasse no meu corpo bem mais demônios do que o normal. Eu me sentia cheia, estressada, não suportando sequer a voz da minha mãe. Parecia que tudo tinha voltado. Eu passei a manhã inquieta, como se algo me incomodasse, porém, apesar de eu saber o que era, esse algo não tomava forma; era um demônio sem forma e sem nome. E o pior de tudo é que os meus afazeres do cotidiano é que era o inferno. Não tive paciência pra tomar banho, colocar meu uniforme, ir à escola, mesmo assim, fiz tudo isso. Na estrada pra escola, a cada passo que eu dava, eu sentia que minha inquietude se intensificava e os pensamentos mais sombrios alimentavam aquele demônio tornando-o mais forte a cada segundo.

Na sala de aula, nem mesmo a cadeira parecia que me cabia e também a ideia de ficar sentada não me agradava. Já na primeira aula, pedi licença pra ir ao banheiro, pois eu sentia que toda energia do meu corpo convergia pra um único ponto - e eu ia explodir a qualquer momento. Em vez de entrar no banheiro feminino, algo mais forte do que eu me direcionou para o banheiro masculino. Lá, um menino magricelo, com um uniforme pouco higiênico e o rosto cheio de espinhas fazia xixi. Ele me olhou assustado, mas ficou parado. Sem controle dos meus atos, eu agarrei no seu membro e comecei esfregar nas minhas partes intimas, como se aquilo fosse exorcizar o demônio em mim. Aquele menino pouco belo parecia que carregava o mesmo demônio em si e arrancou minha calça, levantou minha blusa e começou me lamber como um animal feroz. Eu, mesmo provocando aquilo, não buscava entender, não havia espaço em mim pra reflexão alguma. Então ali, em cima do vazo, fizemos sexo de forma brutal e rápida.

Depois, eu simplesmente saí do banheiro arrependida como nunca, com nojo de mim, com nojo daquele garoto idiota, com nojo daquela escola, da minha cadeira, de todo mundo. Eu não ia suportar voltar pra sala e olhar para aquelas pessoas com mais aquele pecado nos ombros. Na verdade, se eu pudesse simplesmente nunca mais ver ou retornar em qualquer lugar que eu estive naquele dia que antecedera aquela loucura, eu faria de bom grado. Eu tinha nojo de homens, de sexo, de tudo, mas havia dias que aqueles demônios se apoderavam de mim e me controlavam.

Mas eu tive que voltar para sala e era tudo diferente; o erro estava escrito nos meus olhos de arrependida. Quando me acalmei, a preocupação de que aquele moleque que certamente nunca tinha visto uma mulher na vida contasse pra alguém e a escola inteira ficasse sabendo, me parecia mais perturbadora do que o ato em si. Pronto, o restante daquela tarde foi uma tortura, pois além do receio, eu sentia uma necessidade enorme de correr para casa e tomar um banho de sal, de água quente, de qualquer coisa pra tirar todos os vestígios de mim daquele dia horrível. Ao refletir sobre tudo, eu me dei conta que havia perdido, talvez pra sempre, a beleza e a inocência das paixões da infância, dos amores do início da adolescência. Eu tinha perdido toda a poesia do amor, só me restava aquele desejo visceral, animal, que não me fazia bem. Se ao menos eu soubesse que sexo era natural, talvez tivesse sofrido menos.

Quando finalmente o sinal tocou pra sairmos, eu tentei correr pra fora o mais rápido que pude de modo a não encontrar aquele garoto horroroso na saída, mas foi inevitável; ele estava no portão com um sorriso que eu juro que eu se eu tivesse com uma lâmina bem afiada nas mãos, eu tinha simplesmente arrancado aquele sorriso da cara dele sem remorso algum. Se fosse fácil matar as pessoas, ele seria minha segunda opção. Eu baixei a cabeça envergonhada e passei por ele, mas ele ainda teve a audácia de pegar na minha barriga. Que filho da puta! Logo me enchi de ódio e pensei que todos os homens são realmente idiotas execráveis. Se antes eu já amargava um ódio pela raça, ali, se completou a minha aversão profunda. Quando tive consciência daquelas ideias absurdas que pairavam meus pensamentos, eu compreendi que se eu tinha alguma dúvida quanto ao fato de que era uma psicopata, já não tinha mais.

Justo no dia dos meus quinze anos, em que eu devia comprar um vestido de princesa, dançar com um príncipe galante e receber presentes de pessoas que me amavam, eu fiz a maior besteira da minha vida. Também não ia ter festa, e mesmo que tivesse, eu certamente não iria conseguir comemorar, já que carregava o maior pecado dos homens me corroendo por dentro. Eu me sentia a pior vadia do planeta e minha ida para o inferno era tão certa quanto o amanhã que se levanta. Mas a tarde passou, demorou um século, mas passou.

Quando cheguei a casa eu corri para o banheiro e lá tomei banho por mais de uma hora. Minha mãe já estava acostumada com meus banhos demorados, e quando eu sai, se encontrava meu pai, minha irmã, minha mãe, com um bolo bonito com o meu nome escrito em cima como se fosse o ordem e progresso da nossa bandeira nacional. Quando presenciei o sorriso de minha mãe e seus olhinhos lacrimejando de felicidade, eu simplesmente desandei a chorar. Apesar de tudo, minha mãe tinha o poder de fazer me sentir melhor. Então, como toda debutante, Carina tinha conseguido um vestido rosa bonito, eu odiava a cor, mas naquela noite abri uma exceção. Eu usei aquele vestido e senti que ele até tinha me caído bem. E também não podia negar um pedido de Carina, já que eu tinha perdido os quinze anos dela. Naquela noite, eu soprei velas, fiz pedidos, como qualquer sonhadora faria. Vivi momentos de intensa felicidade no meu baile de debutantes; senti-me amada e nada como o amor pra acalentar um coração que arde em desespero. Só me faltava um príncipe, mas em nossa época eles já não existiam mais.  


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