terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O ouvidor



Vigilante da empresa há onze anos, Noberto seguia a mesma rotina religiosamente; todos os dias, no intervalo depois do almoço, se dispunha no corredor que dava para o banheiro feminino e lá ficava por quanto tempo lhe fosse permitido. No início, uma outra funcionária questionava o porque da escolha do ambiente, ele respondia apenas que preferia ficar sozinho, ali pelo menos ninguém o incomodava. Depois de alguns meses, de fato ninguém mais o incomodou; ele já parecia fazer parte da paisagem naquele horário, e se caso lá não estivesse, as pessoas até estranhavam.
Depois de onze anos exercendo as suas funções, Noberto jamais demostrara um gesto indecoroso ou de má índole, de modo que ele era respeitado por todos da empresa, embora ninguém soubesse da sua vida pessoal, pois além de seu posto na entrada do prédio, a vida social que dele conheciam era sua insistência em se manter naquele corredor diariamente.
Numa quinta feira de março, uma funcionária adentrou o corredor pra ir ao toalete e surpreendeu Noberto com o ouvido pregado a porta do banheiro e com as mãos aparentemente nas partes íntimas.
Foi um alvoroço que só vendo. A mulher gritou de fora: "um tarado! Um pervertido! Santo Deus!" A moça que se encontrava na parte de dentro do banheiro, saiu assustada ainda fechando o zíper da calça, sem entender muito bem, mas ao ver a outra apontado pra Noberto, logo acompanhou ela na gritaria, uma vez que ele não conseguia tirar o olho do seu zíper. Com o escândalo, foram todos parar no RH.
Com onze anos de casa, diferentemente das funcionárias, Noberto obteve o direito de se explicar, embora aquele gesto tivesse sido muito claro pra todos.
Sentado próximo das moças, Noberto, ainda que calmo, não conseguia levantar o campo de visão, mantendo-o sempre da cintura pra baixo de todos que olhava.
Ele não era de falar muito, mas naquele momento, começou tagarelar sem parar e revelar a razão daquele ato, bem como o porquê de ficar sempre naquele corredor, fato que fez com que estranhassem mais ainda tudo aquilo.
Assustadoramente ciente de que não cometera nenhum crime, Noberto revelava com convicção que o que o mantinha no corredor era o som que as mulheres faziam no banheiro. "Mas só! Jamais tocaria em nenhuma delas, nem que passasse mil anos." Dizia rápido e com voz firme: "Primeiro, sem nunca olhar para o rosto das mulheres, eu observo o modelo da calça, saia, ou qualquer vestimenta que elas estiver vestindo enquanto se direcionam para o banheiro. Imaginar é que é a graça da coisa "
A cada nova revelação, as moças demonstravam mais asco daquele homem solitário e estranho. Ouviram Noberto confessar que gostava de ouvir o barulho do zíper sendo aberto, o som do tecido deslizando a pele, o som do xixi batendo na água do vazo, pois isto o fazia imaginar o cheiro das partes íntimas das mulheres, o que lhe provocava prazer. Mas nunca tinha ido tão longe como aquele dia, sempre ficava distante.
Ao ouvirem tão estranha confissão, as mulheres ficaram horrorizadas, imaginando quantas vezes elas usaram aquele banheiro e passaram em frente a Noberto e, como todas, simplesmente ignoraram sua presença, sem imaginar o que se passava em sua mente doentia escondia.
Noberto, embora convicto de sua inocência, fora demitido por justa causa, mesmo com o grande pesar do patrão que sempre julgara ele era um funcionário exemplar.

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