segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Minha história com a Porto editora




Minha história com a Porto editora começou há muitos anos, bem no início da minha luta pra me tornar um escritor reconhecido.

Começou assim: numa madrugada inebriante, eu, escritor sonhador, decidi enviar mais um e-mail pra Porto editora em mais uma tentativa de ser notado. Creio que milhões de escritores fazem isso todos os dias. Porém,  no site da editora não continha o e-mail de contato, logo, tive mais esperanças que o e-mail seria lido, pois julguei que a Porto não recebia aquela enxurrada de e-mails com as demais editoras que têm o e-mail pra envio de originais. Eu tinha o e-mail por conta que, certa vez, nesta minha crença esquizofrênica que possuo talento, preenchi um formulário de contato com uma sinopse de um de meus muitos livros escritos sem qualidade - e a editora, por incrível que pareça, demonstrou interesse. Porém, parece que a sinopse era melhor que o livro em si, acabei recebendo uma resposta negativa sobre a publicação. Fiquei muito triste, ainda tentei mandar outros, porém, a resposta era sempre negativa. Até que passaram a ignorar meus e-mails.

Mas aquela madrugada, eu me voltei pra minha situação, vendo a miséria, as crises existenciais, as humilhações, eu precisava fazer alguma coisa.  Como nunca havia aceitado exercer outra profissão que não de escritor,  a única forma era tentar mais uma vez com as editoras. O entrave era que eu ainda não tinha escrito nada que se aproveitasse no sentindo gramatical. Talvez um ou outro texto tivesse um enredo razoável, mas em gramática era tudo horrível.  Porém, a minha fé esquizofrênica de sempre, não me permitia desistir, então resolvi enviar o e-mail, não com um original ou qualquer coisa que o valha, eu simplesmente resolvi enviar um desabafo. 

Eu contei no e-mail a história de como me descobri escritor antes mesmo de adquirir o hábito da leitura. Contei a história do meu primeiro livro publicado, que foi um drama maior que o próprio livro. Acreditem, a história que se sucedeu após a publicação do meu primeiro livro, diferentemente do meu ilusório primeiro grande romance, daria um bom livro. Não existe escritor que conseguisse criar um enrendo tão louco quanto as loucuras que se sucederam enquanto batalhava pra me tornar um escritor reconhecido. Eu passei por diversos perrengues, desde humilhações das editoras, até senhoras de mais de cinquenta anos tendo orgasmos ao ler os meus textos.

Bem, no e-mail eu relatei meu  drama real, cujo era semelhante o de John Kennedy Toole, escritor que admiro muito.  Aos 29 anos ainda morando com os pais, tendo que pedir dinheiro inclusive pra comprar um chiclete. Sofrendo humilhações, pois nem minha mãe, nem ninguém compreendiam os meus sonhos. Pra todos, eu não passava de um preguiçoso de merda. Só pra constar, eu nunca me considerei preguiçoso. Eu dormia exageradamente, isto é fato. Mas acho que devido às hemorroidas que me causaram uma anemia horrível. Mas no tempo em que eu não estava dormindo, eu gastava escrevendo, vendo entrevistas a escritores, enfim, tudo relacionado à literatura. Pois assim, me espelhando nos demais escritores, eu já me sentia um escritor famoso. Sempre vivi de ilusões, isto nunca vai mudar. 

Bem, me valendo da fé esquizofrênica, pedi no texto que a Porto editora, mesmo não querendo editar meus livros, embora justamente, pois eram de péssima qualidade, que me oferecessem um emprego nem que fosse de peso de papel na editora só pra eu sair da minha cidade e ficar próximo do mundo editorial pra aprender tanto a escrever quanto a viver longe de casa. Repare bem o tamanho do meu devaneio: eu queria que a Porto Editora, me visse com potencial suficiente pra me levar pra Portugal, me arranjar um emprego, uma casa, tudo, a troco de que eu tinha grandes chances de ser o maior escritor dos últimos tempos. Porque tinha que ser o maior escritor do planeta, uma vez que se não tivesse esta ilusão, não tinha como acreditar o suficiente pra escrever o E-mail.

Sei que funcionou. Obvio que eu não fui chamado pra morar em Portugal, nem pra trabalhar como guarda livros na Editora, mas eles se disponibilizaram avaliar meus livros com um pouco mais de carinho. Enviei novamente o meu livro Se os cães falassem, que apesar de ruim, tinha potencial, pois como toda a minha obra, continha aquela humanidade visceral. Num belo dia, recebi a resposta que o original fora aceito. Eu dei saltos de alegria. Chorei feito um menino. Corri pra minha mãe e disse, eu não sou um fracassado, enquanto gritava e corria sem direção pelo quintal de casa. Ali,  toda resignação, todas as humilhações, valeram a pena e me tornaram forte.  Eu queria correr e contar a todo mundo, mas preferi guardar só comigo aquela alegria. Felicidade compartilhada dura pouco. Minha mãe jamais iria mencionar no assunto, pois ela nunca acreditara nos meus sonhos, então, ela simplesmente julgara mais uma de minhas loucuras que não iam dá em nada.   

Eu publiquei em minhas redes sociais a grande notícia, a importância da Porto Editora, mas como todos do meu convívio real já estavam acostumados com as minhas falácias a respeito de uma grande editora estar próxima de aceitar editar um de meus livros - e nunca sair da conversa, eles ignoraram a importância do fato. Porém eu não. Eu sabia o quanto aquilo era grandioso. Mais sábio, resolvi ficar só comigo. Eu fui convidado para o lançamento do livro em Portugal. Até àquela hora, ninguém suponha que eu poderia sair do país. Na verdade, as pessoas estavam tão acostumadas a minha presença, que eu era como uma miragem que sempre está lá, então, não assusta, não encanta, nem incomoda mais. Mas eu sabia que tinha muitos que sentiriam a minha falta caso eu partisse. Minha mãe mesmo julgava que eu tinha ciúmes do meu irmão pela forma que ela o tratava, então ficava me fazendo provocações, isto me enchia de raiva e me dava vontade de fugir pra bem longe. Retrato aqui minha mãe como se fosse uma vilã, mas não era. Minha mãe é uma mulher instintiva, sabe que somente as coisas reais importam - e meu sonho de ser escritor era algo tão abstrato que ela não visualizava no campo real. Também o fato de eu nunca ter ganhado dinheiro com a literatura ajudava bastante. Mas hoje ela entende muito bem e sabe pelo que eu lutei e que valeu a pena.
Na época, eu carregava um grande desejo de fugir pra bem longe, sem avisar ninguém, pois julgava que com a minha ausência, as pessoas ou entenderia a minha importância, ou me esqueceriam de vez. 

Aquela era minha oportunidade. Não avisei a ninguém que iria viajar. Eu queria que todos soubessem somente quando eu me encontrasse lá. De lá, eu mandaria uma mensagem dizendo que não fazia ideia de quando voltaria, se dali um ano, ou dois, ou dez. E também seria bom mudar de ares, ver o mundo, amadurecer, sair das asas da mãe. E foi o que fiz. Maquiavelicamente, bolei toda uma estratégia pra ir embora sem que ninguém percebesse. Deixei minha moto na casa de uma amiga pra que entregasse ao meu irmão. Parti no horário que ia pra faculdade, pra que ninguém desse por minha falta a tempo de impedir a viagem. Tudo no intuito de passar a ideia que eu tinha ido embora sem intenção de voltar.  

Tudo funcionou como eu imaginara. Um dia depois que havia chegado a Portugal, recebi mensagens que minha mãe estava desesperada a minha procura. Então pedi que contassem que eu tinha partido pra Portugal, que não podia contar, pois ela com certeza tentaria impedir minha partida alegando que aquela viagem era tudo uma cilada, que eles queriam roubar os meus órgãos e tudo o mais.  Fato é que ela diria mesmo isto. Eu me encontrando já em Portugal, ela não tinha como me jogar suas teorias desenvolvidas baseadas nas novelas da Globo.    
Bem, o livro foi um sucesso de crítica e de vendas e todo mundo conhece o resto da história. Voltei pra casa dois meses depois, foi uma surpresa tremenda. As pessoas finalmente entenderam a minha luta, a minha importância. Somente eu era que tinha me perdido um pouco, mas eu já sabia que iria acontecer.

E foi assim que, depois de cinco anos de luta, eu surgi de repente como um escritor talentoso e que ganharia o mundo. Meu receio é que hoje, depois de conseguir realizar todos os meus sonhos, não encontrar mais razões pra escrever, uma vez que eu não tenho que provar mais nada pra ninguém. Pode ser que assim como Ernest Hemingway, eu acabe com o corpo que já não comporta o escritor que eu era enquanto residia na humilde casa cheia de isentos no litoral cearense. Sinto saudade daquela época e juro que penso que nunca devia ter ido tão longe. É tudo tão vazio. Mas enfim, todo bom escritor precisa ter um fim trágico, então, foda-se.   


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