sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O MENINO DA CORTE





O MENINO DA CORTE

A quem ver! Não ver. Se ver, não atenta;
um garotinho sujo, descalço, a esperar atento
migalhas da mesa, que cai salivadas dos reis,
de madames enfeitadas; esmeraldas:
rubis e mais rubis e corações vermelhos.
O garoto faminto. Logo à cima dele, à mesa; risadas.
Carnes nas barbas dos reis e no colo das enfeitadas.
Há sujeira aqui em baixo; pouco importa, a fome não ver.
Risadas, pisadas, gritos, o que haveria logo acima?
O garoto, a fome, os olhos, as vazias entranhas desejam ver.
O Invisível garoto levanta e ver o bobo, de pernas pra cima
como em uma rinha. 
Todos riam do bobo desajeitado.
Bobo da corte. Seria mesmo ele bobo?
 O bobo todos veem!
Mas a maquiagem, as vestes estranhas... 
Na verdade ninguém o ver!
Haveria por trás das vestes um sujo menino?
Todos riem do bobo e lambuzam suas barbas de gordura.
No bobo da corte um sorriso. 
Seria dele aquele sorriso ou obra da maquiagem que força as alegrias?
Seria o bobo apenas um quadro em uma moldura?
Quadro sem vida, vida tinha quem o pintou.
Quem pinta o bobo? Não seria o próprio bobo?
O menino ainda faminto olha o bobo e não ver graça.
A fome não deixa seus risos fluírem.
Mas os reis, os reis e madames,
Esses sim, enchem-se de leitões, vinhos e risos.
O bobo menino, o menino bobo, não se sabe,
Levanta-se e agarra uma coxa suculenta.
Agora quem rir do bobo, do bobo menino?
Ninguém! Desse bobo que come, ninguém!
O bobo da corte, (bom seria se fosse a corte do bobo)
Estraçalha ferozmente a coxa e seu pescoço.
Os reis e madames assustados murmuram: "que graça há neste tolo?" 
O menino sujo e faminto fora levado a forca.
Sem maquiagem não era o bobo.
Todos riam, não do bobo da corte, mas do menino faminto e tolo.
As madames e reis todos maquiados e enfeitados para presenciar o último riso proporcionado por aquele 
que antes bobo da corte, hoje menino bobo.
Que forca? Que tortura? A forca seria o fim!
Mas para aquele bobo menino não sobrava ar,
 então melhor seria não respirar. 
                                                
                                                         Samuel Ivani