segunda-feira, 27 de julho de 2015

Graça humana



Eu devia ter me calado!
Ou melhor, sabiamente ter permanecido em silêncio,
De modo que todos percebessem que sou mudo.
Tenho sofrido enxovalhos de todos;
da senhorinha que vende doce de bicicleta,
Ao moleque de dezesseis anos que sequer sabe o que quer.   
Tenho proferido juras de amor aos ventos e o mundo e,
por esta razão, tenho sido motivos de risos de adolescentes,
de criancinhas que ainda brincam de boneca, 
tudo isso pelo fato de falar em demasia.
Quem me dera eu fosse sábio o suficiente pra sempre permanecer em silêncio.
Tenho xingado as minhas amigas de feias,
De putas medíocres, de vadias,
Quando na verdade tenho o desejo apenas de elogiá-las,
pelo simples fato de serem mulheres.
Devia ter me declarado mudo desde a minha juventude,
Talvez por essa altura tivesse conquistado o respeito dos que me cercam e,
não seria esse maldito ignóbil que sou.
Se ao menos tivesse papas na língua,
ou que apenas tratasse de política, economia,
Mas tenho que comentar os fatos corriqueiros da vida:
Esses acontecimentos medíocres que dão graça a existência.
Ah, a vida é uma piada e apenas os idiotas levam-na a sério.
É preciso contá-la assim florida!
Ora, viver talvez não seja tão bom quanto comentar a vida.
"Pode-se refrear um cavalo selvagem, mas não a língua do homem."
Eu devia mesmo era não ouvir!
Aquele que não ouve, não diz, não acrescenta, não importa.
Porém eu compreendo que sou escritor simplesmente pelo fato de que,
contar uma vida é infinitamente mais fácil que vivê-la.  
Devo ouvir e contar apenas a mim mesmo, 
assim, não machuco a mim, nem os demais. 

Martírio idiota!


 SAMUEL IVANI 

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