domingo, 8 de janeiro de 2017

Amor de bar



A sua vida era mais ou menos. Ninguém o amava, mas também não odiava. Ele não incomodava, mas também não fazia a diferença.  Não era velho pra que aceitassem sua opinião, nem tão jovem pra que se justificasse sua inconsequência.  Ele não era bonito, mas também não era feio, de modo que ele não era bem afeiçoado pra ficar com mulheres formosas, e nem suficientemente feio pra não poder escolher, logo, estava condenado a solidão.  Ele não era uma coisa nem outra. Aquele homem se encontrava naquela maldita idade meio termo - vinte sete anos, e já não suportava mais aquela falta de vida que amargava. Eis que, numa tarde morna, tomando seu café morno, ele resolveu sair daquela vida morna.  

Marcando dezessete e cinquenta no seu relógio que não lhe custara muito nem pouco, decidiu sair do seu apartamento no intuito de arranjar uma briga de bar. Saiu convicto de  só voltar quando tivesse perdido pelo menos dois dentes e quebrado a clavícula, assim, ele não morreria, mas ficava suficientemente ferido pra ir parar no hospital, aonde lá, com uma certeza quase profética, ele seria atendido por uma auxiliar de enfermagem chamada Nágila ou Érica - e esta moça seria incumbida de o tirar daquela vida morna que levava.

Chegando ao bar, se dispôs no balcão entre dois homens corpulentos e pediu um Whisky duplo.
 - Com gelo?  - perguntou a garçonete. - Não, não! Cowboy! - respondeu ele com convicção.
A fim de demonstrar uma hombridade que não tinha, tomou a bebida de um só gole e se conteve pra que não notassem que seus olhos lacrimejavam devido o desconforto que lhe provocara aquele Whisky doze anos.  Aproveitando o fogo que o álcool lhe propiciara, com ou sem coragem, ele escarrou, coçou involuntariamente os testículos e cuspiu a bota do cara do lado. O homem barbudo, de aparência intolerante, fitou a bota suja e disse: - Tudo bem, sei que foi sem querer!

Nosso herói indignou-se, porém, relevou e  pediu outro whisky. A segunda dose já descera por sua garganta como uma criança no escorregador. Naquele momento, já cheio de coragem, escarrou novamente, coçou os testículos que nem sabia se conseguiria mantê-los até o final da noite e cuspiu a bota do outro cara do lado. A fim de não ser ignorado, fixou aquele olhar de faroeste sob sua vítima, como quem dizia, vem desgraçado. O rapaz, aparentemente um frequentador assíduo de academia, apenas olhou com uma serenidade de dá raiva e sequer proferiu palavra alguma, saiu e foi sentar-se ao conforto de uma mesa.  
Ele pensou desconsolado: "Ah! Não se consegue mais uma boa briga de bar como antigamente. Aonde fomos parar meu Deus? Será que todos os homens evoluiram pra esse estado deplorável e apático e a vida resume-se esse meio termo sem graça? Se for Deus, me leve daqui."

A Garçonete, morena de cabelos cor de noite, presenciando toda aquela cena enquanto lavava uns copos, de repente, desfarelou uma taça na parede do balcão e proferiu um grito que levaria um pelotão inteiro a loucura e, sem nenhuma razão, voou como uma gata no pescoço do nosso herói; embolaram-se no chão, quebraram duas mesas, arrancaram a saia de uma cliente, que imediatamente entrou na briga, o marido pra defendê-la pulou no meio do fuzuê, arrancou nosso caçador de briga do meio da bagunça e proferiu dois socos bem no meio dos seus olhos. Ele então, enfurecido, voou na garganta do marido indignado e levou mais dois socos, inconformado, levantou-se, levou mais dois socos e no chão ficou.

Em pouco tempo, a briga já se generalizava. Todos que se encontravam no bar,  mesmo sem entender nada, esbofeteava, chutava, mordia, gritava, virava mesas, quebrava copos, rasgava toalhas, jogava coxinhas nos curiosos que se aproximavam. O dono do bar veio da cozinha com um taco de beisebol e saiu distribuindo pancadas a esmo. Mal acabara de se levantar, nosso brigão levou duas tacadas no meio das pernas e gentilmente retornou ao seu sono...   Acordou no paredão da Beira mar, sabe Deus quantas horas depois...

 Ainda cheio de dor, abriu os olhos inebriado com o cheiro de fumaça de cigarro de má qualidade que saia da boca de uma morena linda sentada ao seu lado.  Sem entender joças do que estava acontecendo, sentou-se, e com as mãos trêmulas pediu uma tragada que prontamente lhe foi concedida.  A nicotina lhe clareara a mente e  fez com que ele notasse que aquela morena linda do seu lado trajava um uniforme de garçonete aos farrapos. Olharam-se e vislumbrando um ao outro aos pedaços, riram abertamente. Com aquele gesto, ele notou naquela mulher uma beleza que jamais vira, nem mesmo em Nágila ou Erica, auxiliar de enfermagem que cuidaria dos seus ferimentos se saísse vivo da sua briga de bar. Ali mesmo, envoltos por maresia, cheiro de cigarro e paixão, amaram-se como se o mundo nunca mais fosse girar.  

#cronica #literatura #critica





7 comentários:

  1. Bom é o que sempre digo se beber fique em casa e não brigue.
    Muita violência no seu texto. hehehehe.
    Mas sério, achei interessante, você explorou bem os detalhes dos personagens, roupa, detalhes das cenas, isso faz diferença.
    Beijinhos, Helana ♥
    In The Sky, Blog / Facebook In The Sky

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  2. Você tem uma boa escrita, mas confesso que é um estilo que precisa de tempo, calam, ambiente, momento para apreciação, não uma leitura rápida de troca de comentário. Gosto quando paro, sinto o texto, principalmente quando emana boa literatura.

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  3. Olá, tudo bem?
    Gostei da forma com que expôs seu desinteresse pela vida. Eu senti como se ele a visse como igual, vivendo todos os dias iguais, sem nada de emocionante ou diferente.
    Além disso, a crônica foi leve, mesmo com as brigas no bar.
    Parabéns pela qualidade do texto, gostei muito.
    Beijos.

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  4. Concordo com a Lilian aqui em cima, preciso sentir o texto para fazer um bom comentário. No mais posso dizer que você deve continuar suas crônicas, ainda é meu estilo literário preferido.

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  5. Que cara babaca achar que uma briga de bar pudesse fazer com que ele reencontrasse a própria vida! Ele deveria era encontrar o cérebro que ficou perdido em algum lugar. Pior é que tem muitos idiotas assim.
    Bjs

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  6. OI Samuel,
    Amei a crônica! Linda e louca! rsrsrrss
    Voce me surpreendeu por criar algo inesperado. Primeiro um homem apático que, sem motivo aparente, quer se meter em uma briga de bar e depois uma garçonete que resolve dar a ele o que ele quer. Quero mais!!!
    Beijos
    Blog Relicário de Papel

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  7. Adorei o texto! você escreve muito bem, parabéns!

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