sábado, 11 de fevereiro de 2017

Coiote



Eu era uma gota e desaguei em um sopro.
Agora ao inspirar sinto que o ar passa pelos meus pulmões
e simplesmente ecoa no meu vazio,
na minha falta de emoções,
e retorna poluído pelos poucos demônios que
ainda albergam meu intestino.
Eu era muito pequeno e me achava um oceano,
até que a bigorna da realidade me bateu as fuças
e me limitou ao meu tamanho real.
Nada mais resta, nada mais sobra em mim.
Sinto-me como um tronco oco no meio do deserto;
um tronco tão ridículo que as corujas se aproximam,
notam que nem mesmo sirvo pra camuflá-las
Então batem asas a procura de um galho mais seguro.
Se algum dia tive flores, se algum dia exalei algum perfume,
já não sinto que tenho - e os morcegos não polinizam flores murchas.
Os corvos que insistem em povoar meu deserto violeta,
sequer temem o espantalho que sou; eles pisam, dançam,
chamam o bando, e à meia noite, no rufar dos tambores,
me oferendam aos demônios do oitavo círculo do inferno,
mas sou prontamente expelido de volta,
pois não há papel que um homem vazio possa desempenhar no submundo.
Até mesmo o último coiote do deserto,
depois de longos dias de caçada inútil,
já no limite de sua resistência, captura um roedor raquítico,
- e a fim de saborear seu alimento longe de olhares inimigos
se aproxima do tronco cinza que eu sou,
deita a presa nas poucas raízes que me restam
e logo percebe que o vazio em seu estômago
não se equivale ao vazio em mim.
Então, se utilizando de seus últimos movimentos,
ele arrasta sua valiosa presa até aquele vazio em mim e, ali mesmo,
sobre minhas raízes, ele profere o último suspiro
ciente de que tinha feito tudo que podia.

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