domingo, 12 de fevereiro de 2017

Eu preciso falar sobre o verão de 1993 Capítulo XXIII





A verdade é que a criatura pode escolher ir por caminhos diferentes do criador. Eu não precisava me tornar a figura deprimente e destruidora de vidas como Carlos Salgado. Sem contar que não teria coragem de encarar a minha imagem no espelho novamente depois de cometida aquela loucura. Minha vingança estava concluída. Carlos Salgado, naquelas condições, não tinha como manter um convívio sadio em sociedade, de modo que a justiça não teria como liberá-lo. Não se existisse realmente justiça. Quando me vi com aquela tesoura enorme em contraste com minhas mãos pequenas e frágeis, eu descobri que muitas de minhas ações não condiziam com a minha aparência. Eu era uma moça bonita, jovem, com grandes chances ainda de tomar novos rumos pra minha existência, não podia me condenar a me tornar um monstro como Cabo Carlos Salgado. Ao observar novamente aquele lugar escuro, me deu asco. A boca cheia de areia de meu algoz me provocou uma sensação estranha no estômago. Vomitei enquanto chorava, porém não permiti que ele percebesse minha fragilidade. Coloquei a tesoura na mão esquerda cuja se encontrava livre do miserável, e deixei em suas mãos a escolha de arrancar a razão de sua desgraça:
- Você escolhe: arranca as amarras e se liberta e retorna para o seu quarto, se encontrar o caminho. Bem, ou..., faça bom proveito desse instrumento que te ofereço. Se você acha que diante de tudo que fez, merece ainda continuar vivendo, a escolha é sua. Eu me isento da responsabilidade, porém, com a consciência de que fiz tudo que podia.  

Deixei Carlos Salgado em seu calabouço, ele se encontrava sem pestanejar, em choque profundo, com trajes de louco, os olhos grandes e verdes esbugalhados e uma grande tesoura de jardineiro na mão esquerda, embora com os pés e a mão direita atados. Até ele sair daquele transe, daria pra eu ir até meu triste quarto naquele lugar de loucos e me manter segura. Não existiam chances de ele me seguir, ou mesmo de me encontrar no manicômio. Mas o mais importante: eu pude ver nos seus olhos que ele não teria mais coragem de pôr as mãos em mim, não depois de tudo que eu havia feito. Se foi só uma ilusão, não tinha como eu saber, mas optei por acreditar. E realmente nunca mais o vi, nem ouvi falar dele. Menos mal... 
Depois de mais seis meses naquele local, sem que eu tivesse arranjado brigas desnecessárias, nem surtado, já que não precisava mais, eu fui liberada - e daquela vez - com a plena certeza que nunca mais retornaria pra um lugar como aquele. 

Cabo Carlos Salgado, eu nunca mais soube de seu paradeiro. Não sei que uso ele fez da tesoura; se si livrou das amarras e achou o caminho de volta, ou se tirou a própria vida, ou mesmo se optou por não deixar aqueles túneis. Jamais saberemos o fim do desgraçado.  A pulseira do Palmeiras eu deixei lá, de modo a me livrar de vez das lembranças daquela noite. Bem como a fita e a boneca. Sai de lá livre, como se finalmente tivesse tirado realmente uma tonelada das costas.

LEIA O ÚLTIMO CAPÍTULO CLICANDO NESSE LINK  








3 comentários:

  1. História interessante, comovente infelizmente muito próxima da nossa realidade. A maneira como o autor narra é espetacular, gostei demais.

    ResponderExcluir
  2. Li ,do começo ao fim, me coloquei no lugar da Val, pq vivi o que a Val, cível. Graças a Deus o estupro ñ foi realizado. Me vi passando novamente , por tudo o que Tati,Val e sua irmã passou, infelizmente essa é a realidade em que toda a mulher brasileira vive, hj em dia.
    Parabéns ao autor da obra.

    ResponderExcluir
  3. Perfeito! Muito bacana! Gostinho de quero mais

    ResponderExcluir