sábado, 28 de abril de 2018

Bondade




Mal se aproximasse de alguém, aquele velho homem surrado pelo tempo se dispunha a fazer o bem, não importava a quem. O problema é que, já com pouca expectativa de vida, ele não via muita gente e nem tinha tanta mobilidade de modo a disseminar a sua bondade ainda em botão. O mais longe que ele ia era na calçada de casa onde ficava nos fins de tarde vendo os moleques brincarem na rua.

Todo mês, ele comprava uma ruma de balas pra presentear as crianças do bairro. Estas, já sabedoras, sempre brincavam em frente a casa dele pra receber os doces, porém, eram ativas e inocentes demais, não tinham tempo nem discernimento pra sequer ajudá-lo a atravessar a rua quando ele ia à mercearia. Mas ele gostava de olhar os meninos cheios de energia, suados, sem preocupações; parecia que eles transferiam um pouco de mocidade para aquele velho solitário que mal conseguia ir ao banheiro sozinho. 

Ele tinha ânsia e urgência pra praticar o bem, como se quisesse recuperar um tempo perdido. 
O entrave era que, ao longo da vida, ele nunca tinha tido paciência pra manter relações com as pessoas, nem mesmos os filhos que conviviam com ele na mesma casa, então ninguém aparecia para visitá-lo, nem os parentes próximos, nem distantes, nem mesmo desconhecidos a fim de um bolo de milho numa manhã de chuva.  Só a esposa ainda o aturava. Aturava, porque amá-lo mesmo, talvez ela nunca tenha amado de fato.  

Os filhos vinham visitá-lo, mas estes já carregavam toda uma bagagem do passado duro; indiferenças, maus tratos, dores proporcionadas pela violência, pela falta de diálogo, de conselhos, pela falta de destreza ou de boa vontade  em ter sido um bom pai. Não havia como ele apagar toda uma vida em poucos dias. Mesmo assim, filhos são filhos...

Aquela altura, ele insistia em tentar ser o que não fora a vida inteira talvez porque já se equilibrava na linha tênue entre a vida e a morte e não encontrava ninguém que fizesse algo por ele que fosse por carinho genuíno ou por amor. Os que ainda moviam algumas palhas em prol do seu bem estar era por obrigação moral, quer fosse por carregar o mesmo sangue, quer por instituições como o casamento ou qualquer outra.  

A vida toda, aquele homem calado, não se dispôs ou não atentou que as forças que temos na mocidade e na vida adulta somente nos servem para investirmos em pessoas a fim de construirmos o nosso mundo de gente, para que no futuro, estas tenham disposição e carinho pra estarem ao nosso lado nos momentos difíceis. 
Quer neguemos quer não, a vida se baseia na troca de energias. Gastemos a nossa energia amando as pessoas, porque no final do arco-íris, o pote de ouro que conquistamos são as pessoas que cativamos ao longo da caminhada. 

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