Mal se aproximasse de alguém,
aquele velho homem surrado pelo tempo se dispunha a fazer o bem, não importava
a quem. O problema é que, já com pouca expectativa de vida, ele não via muita
gente e nem tinha tanta mobilidade de modo a disseminar a sua bondade ainda em
botão. O mais longe que ele ia era na calçada de casa onde ficava nos fins de
tarde vendo os moleques brincarem na rua.
Todo mês, ele comprava uma ruma
de balas pra presentear as crianças do bairro. Estas, já sabedoras, sempre
brincavam em frente a casa dele pra receber os doces, porém, eram ativas e
inocentes demais, não tinham tempo nem discernimento pra sequer ajudá-lo a
atravessar a rua quando ele ia à mercearia. Mas ele gostava de olhar os meninos
cheios de energia, suados, sem preocupações; parecia que eles transferiam um
pouco de mocidade para aquele velho solitário que mal conseguia ir ao banheiro
sozinho.
Ele tinha ânsia e urgência pra
praticar o bem, como se quisesse recuperar um tempo perdido.
O entrave era que,
ao longo da vida, ele nunca tinha tido paciência pra manter relações com as
pessoas, nem mesmos os filhos que conviviam com ele na mesma casa, então
ninguém aparecia para visitá-lo, nem os parentes próximos, nem distantes, nem mesmo
desconhecidos a fim de um bolo de milho numa manhã de chuva. Só a esposa ainda o aturava. Aturava, porque
amá-lo mesmo, talvez ela nunca tenha amado de fato.
Os filhos vinham visitá-lo, mas
estes já carregavam toda uma bagagem do passado duro; indiferenças, maus tratos,
dores proporcionadas pela violência, pela falta de diálogo, de conselhos, pela falta de destreza ou de boa vontade em ter sido um bom pai. Não havia como ele apagar
toda uma vida em poucos dias. Mesmo assim, filhos são filhos...
Aquela altura, ele insistia em
tentar ser o que não fora a vida inteira talvez porque já se equilibrava na linha
tênue entre a vida e a morte e não encontrava ninguém que fizesse algo por ele
que fosse por carinho genuíno ou por amor. Os que ainda moviam algumas palhas
em prol do seu bem estar era por obrigação moral, quer fosse por carregar o
mesmo sangue, quer por instituições como o casamento ou qualquer outra.
A vida toda, aquele homem calado,
não se dispôs ou não atentou que as forças que temos na mocidade e na vida
adulta somente nos servem para investirmos em pessoas a fim de construirmos o
nosso mundo de gente, para que no futuro, estas tenham disposição e carinho pra
estarem ao nosso lado nos momentos difíceis.
Quer neguemos quer não, a vida se
baseia na troca de energias. Gastemos a nossa energia amando as pessoas, porque no final do arco-íris, o pote de ouro que conquistamos são as pessoas que
cativamos ao longo da caminhada.