sábado, 4 de fevereiro de 2017

A embalagem


Esperava a moça na esquina de sempre. As demais tentativas de aproximação se demonstraram inúteis; ela o ignorou, chutou-o, fez escândalo dizendo que ele precisava entender que já não tinha mais volta. Sentimentos quando se tornam poeira e nos resta apenas as lembranças das decepções do passado, não têm como reacender no coração de quem um dia amou. 
Ele sentia saudade, mas talvez não fosse saudade da bela moça que por inúmeras vezes ele deixou plantada esperando na mesa do bar, ou sozinha em noites frias enquanto ele saia com "os amigos" para lugar nenhum pra se entorpecer com perfumes alheios. Talvez ele sentisse saudade mesmo era daquela bobinha que sempre esteve ali, que sempre o procurava; que tentava, apesar de tudo, compreender o seu jeito. Porém, aquela mulher já não existia. 

O papel de ridículo que ele se prestava naquela esquina, já fora dela, quando por duas vezes terminaram no passado; por ele não suportar a desconfiança, os ciúmes com sentido e todas as pequenas atitudes que não eram de um homem em um relacionamento sério. Ela investigou paradeiros, colocou a melhor roupa, um batom vermelho e, por inúmeras vezes, foi fingir do lado dele que tinha seguido em frente de cabeça erguida. Mas depois da primeira dose, ela se entregava e dizia que estava com saudade e tudo terminava onde começou. Não antes de ele ignorá-la, empurrá-la, caçoar com os amigos da pobre coitada que o amava mais que tudo - e que sempre, não importasse o que ele fizesse, estaria na palma da sua mão.  

Ele cometeu o clássico erro de pensar que mulher gosta de ser maltratada, ignorada, quando na verdade ela só queria reviver aqueles poucos momentos bons que viveu em mais de um ano de relacionamento. Mas depois que ela percebeu que as pequenas coisas boas não podiam mais ser vivenciadas ante a nova realidade, notou que não valia a humilhação de correr atrás, então desistiu. Aí foi quando o idiota se deu conta que não era o gostosão que ele supusera - então lhe ocorreu o vazio proporcionado pela falta da veneração da fã decepcionada. Ele não a amava mais do que em outros tempos, mas precisava ser idolatrado, sentir-se amado, como um rei precisa ser venerado pelos súditos. 
Ao ver a figura da mulher amada dobrar a esquina com seu cachorro, o coração dele acelera, ele esconde o buquê de flores - e pensa que daquela vez ela se renderia aos seus encantos. Inseguro ele sorrir e espera a reação dela. Quando ela o ver profere aquele sorriso murcho, aquele suspiro fatigado e diz: "Não tenho tempo pra isso! Você não cansa de ser ignorado?"
Então ela lhe entrega, já com um sorriso dissimulado, um saco de papel em suas mãos dizendo: "aqui um pequeno resumo do que você sempre faz." Então sobe as escadas, cheia de si mesma, cheia da grande mulher que sempre foi. 
O pobre homem iludido pensa que no pacote teria uma lembrança, qualquer coisa que lhe indicasse que ainda existia uma chance pra reviver o passado. Mas logo se decepciona quando coloca as narinas na abertura da embalagem e sente aquele doce odor do cocô do cachorro que sua amada recolhera na rua.  

  



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