quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Putas reflexões 2



Dada que a noite há de ser longa novamente, vamos lá pras putas reflexões do dia de hoje, que são todas interiores, uma vez que externamente nada me aconteceu. Só minha mente me apavora, então leiam:

Estive pensando sobre as grandes questões da vida: quem somos, de onde viemos, pra onde vamos? Existe vida após a morte? E depois de tanto refletir, esbarrei no multiuniverso, uma teoria que me custa acreditar por transcender demais a minha realidade dura e palpável. 
E existe sim vida após a morte: a dos outros. Acredite, as demais pessoas continuarão suas vidas mesmo depois que você morrer. E elas esquecerão bem rápido que você um dia representou um papel em suas existências. Certo que lembrarão uma vez ou outra em datas especiais, mas nada além. E não é por serem más o qualquer coisa parecida, é o instinto humano mesmo. O que você pode fazer a respeito é amar. Ame as pessoas. Construa o seu mundo de gente. Seja útil, pra quando você se for, as pessoas terem uma razão pra lembrar de você ao menos em datas especiais.
Quanto ao sentido da vida, segundo a Mafalda, é três linha cinco linha, ou o contrário. Ah que grande biólogo eu sou, não sei nem o sentido da transcrição e replicação do DNA. Eu não sei nem mesmo diferenciar uma da outra. Talvez a razão de eu continuar indo a faculdade, mesmo depois de cinco anos, seja a possibilidade de "te" ver outra vez. 
Eis o grande paradoxo da minha vida: amar aprender, mas odiar estudar. Gostar de ir à escola, mas ter uma profunda aversão ao ensino formal. Então a razão da minha existência talvez seja um punhado de pessoas especiais. Sim, porque eu não tenho a pretensão de ser biólogo, professor, cientista, essas coisas... 

Me parece que a minha vocação mesmo é observar as pessoas. Gosto de estar rodeado de gente e atentar em que elas são mais instintivas, pra não usar a palavra animal. Talvez esta seja a verdadeira razão da minha existência: ser um exímio observador de pessoas. Eu sou um ornitólogo de gente. Poderia me denominar antropólogo, mas como minhas observações são meramente recreativas e nunca aprendo nada, eu não passo de um turista observador de gente, como aqueles que observam pássaros. Sim, porque se eu fosse um estudioso de gente, eu teria aprendido um pouco sobre a vida e já teria dado um jeito na minha, no entanto olho em todas as direções e só vejo as placas dizendo não corra, não fume, não morra, então concluo que nunca aprendi nada sobre os homens. Então estude Deus, - dizia ela - Ora! Mas os homens são criados a imagem e semelhança de Deus, logo, tanto faz estudar um como o outro. Ah, mas não quero refletir sobre isso. É chato, catequético, e eu deixei esse vício faz tempo. Nada mais chato do que a tentativa de convencer os outros sobre suas ideologias. 

Eu quero refletir sobre o sabor da manga: sendo a manga originária da Índia, fico pensando que país magnifico e de sabores fortes é a Índia. Talvez a pimenta malagueta também seja de lá, o caju, sabe-se lá, os teus olhos negros, teu sorriso, vai saber. 
Mangífera indica, sempre que repito esse nome me lembro de sonífera ilha. Não sei quem canta essa música, talvez Titans, Barão vermelho, ou sei lá mais quantas possibilidades, mas a sonoridade é parecida. Sou péssimo em português, deve ter um nome pra o som das palavras, fonema, sei lá. 

Puta que pariu, agora bateu a realidade: eu não sou bom em nada. Eu sou um escritor e não sou bom em português. Ah não dá. Mas Saramago sempre foi brilhante no texto, embora 
também nunca tenha aprendido a fazer parágrafos. Agora me fodi mesmo. Brilhante no texto eu não sou mesmo, basta ler as palavras acima pra que se comprove isto. "Carai eu sou um merda mermão!" Poxa, deixasse eu viver em minhas ilusões, mas acabo de concluir que não sou bom em nada e fracassei em tudo. Como pode um peixe vivo viver fora da água fria? E ainda soberbamente fico me comparando a Saramago. Pode um negócio desse? 
Recolha-se a sua insignificância! Entenda que você nunca passará dos arreios de um cavalo já morto e, por esta razão, deixado pendurado no torno da casa onde ninguém nunca cogitou a possibilidade de armar uma rede. Sério isso Arnaldo? 
Ah parei!  A puta reflexão de hoje, em vez de me deixar sereno, seguro de mim, me deixou pra baixo. Voltarei ao meu sono dos justos, é o que me resta. Nunca serei nada, você tinha razão Fernando Pessoa.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A grama do vizinho (Reflexões)



Esta noite vai ser longa, então pra que o leitor, a leitora, compreenda um pouco do meu universo mental eu vou cuspir meus pensamentos sem filtro algum. E como a grama do vizinho é sempre mais verde, talvez você tome por uma festa o que pra mim é o inferno, mas tudo bem.


Tudo é um causa perdida. Eu tenho o contato do que julguei no passado ser o amor da minha vida, e sempre que vejo ela mudar a foto do whatsapp, penso que aquele sorriso, aquele dedinho no lábio, é uma provocação ao meu amor platônico amplamente revelado a todos, mas nunca consumado. É óbvio que não é, mas o meu desejo que seja, me convence do contrário, então por conveniência e comodidade, acredito que é sim. Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira, mas eu nunca fui muito de ouvir conselhos.
A verdade é que a vida não tem sentido sem amar, e na iminência de nunca mais encontrar alguém amável, eu permaneço amando uma lembrança que inventei anos atrás. Isto sim é uma grande loucura, mas se mantida só comigo, me passo por são em qualquer fila de banco. Mas não se enganem: eu sou louco. Na verdade, se todos revelassem seus pensamentos mais íntimos, como faço agora, todos seriam julgados loucos. A sanidade é simplesmente a loucura nunca revelada. 

Imagine que pra sentir saudade de quem, nem por decreto, eu deveria sentir, me proporciono a distância no intuito que tal pessoa também sinta falta dos sorrisos bobos que provoco, e a saudade dela, ainda que por mim criada, justificará a minha saudade sentida daqui uns dias. Isto, em meu universo mental particular, faz todo sentido. Pra você que lê, talvez também faça, porque presumo eu que você seja tão louco quanto eu. 
Sabe aquele vazio proporcionado pela causa perdida que é a vida sendo preenchido por pessoas que a minha loucura nunca permitiu que ficassem? É a cíclica roda de pessoas descartáveis devido a minha incapacidade de me apegar á alguém sem interesses sórdidos. A triste realidade da vida meus caros, é que ninguém se aproxima e fica senão houver interesses dos mais variados, nem que seja um sorriso as três da tarde. 
É preciso falar também da minha insegurança. Sei lá, me parece que ninguém precisa de mim, pois só tenho palavras. Me restasse um vazo chinês pintado a mão, um soldado de chumbo forjado na Noruega. Mas não. Só tenho voz; um punhado de palavras jogadas ao vento que qualquer pessoa viveria bem melhor sem. E ainda, eu poderia usar estas tais palavras pra afagar os egos dos que me cercam com mentiras fofas. Mas não, eu sou tonto, então espalho verdades. Ninguém quer é a verdade. As pessoas preferem a ilusão. Melhor que eu expresse visualmente que deito a cabeça toda noite num travesseiro pena de ganso de outro, do que revelar que assento as orelhas no meu lençol babado que data mais de dez anos. É a hipocrisia de um mundo rotulado por imagens. Puta reflexão sem graça.

Era preciso pensar na redemocratização do Brasil, pois vivemos um golpe.
É preciso pensar também o quão eu sou alienado pela Globo. Eu acreditei que não era golpe o impeachment. Velho, e o pior, o que eu ouvi de coração embriagado de Wanessa Camargo só porque anunciava nos intervalos da Globo, não se conta. Deveria eu ouvir Simone e Simaria, minhas conterrâneas, não Wanessa Camargo. Ah, agora o maldito refrão não sai da minha cabeça: "E olha só o meu estaduuuu..." 
Mas os filmes da sessão da tarde eram bons, ou ainda são. Falcão, o campeão dos campeões. Nunca pensei que um filme sobre quebra de braço fosse tão bom. Gigantes de aço foi uma tentativa de imitação, mas não tem a mesma grandiosidade, nem a mesma trilha sonora do filme com Stallone. Falando nisso, tá na moda filme com trilhas sonoras de rock dos anos oitenta. Guardiões da galáxia é o melhor de todos. Mas vão estragar juntado a franquia com os vingadores. Todos os filmes dos vingadores são horríveis, mas pouco a Marvel se importa, a bilheteria é muito rentável e isto é o que interessa a industria capitalista.

Não sou socialista, marxista, mas tem coisas no capitalismo que me deixa profundamente triste e que me instiga a vontade de mudar pra floresta e viver de uma horta de quatro metros quadrados. E talvez um dia faça isso mesmo, mas não antes de conquistar tudo que sonhei. Antes disto, me julgariam um fracassado. Mas dado que já sou, a verdade que não o faço porque sou iqum covarde de primeira linha. É que essa pressão pra ser alguém na vida seguindo o caminho seguro desenhado pela sociedade capitalista, me é uma pressão que talvez eu não precisasse vivenciar. Como Florbela Espanca disse: beijos de amor, pra quê? Tristes vaidades. 
Ora, eu preciso disto e aquilo, senão, sou logo tarjado de fracassado, vagabundo. E todo conhecimento acumulado em meu cérebro ao longo de anos de reflexões como esta, não conta nada? 
Me responderão eles: Ora, otário, você precisaria transformar todo esse conhecimento que diz que tem em dinheiro, em renda, senão, é pérola jogada na pocilga. E eu não tenho escolha, senão, concordar. 

Eu falo inglês, sou eloquente, persuasivo, e por quê não consigo vender a minha obra? Eu não entendo, ou melhor, entendo, eu sou um artista. Artista só produz, não tem traquejo pra vender sua produção. E o que eu produzo é literatura, ninguém vai comprar literatura de um fracassado de merda vivendo no fim do mundo. Eu devia mesmo era vender um produto mais necessário. 
As palestras de Coach, que são piores que qualquer droga, me dizem que eu devo inserir na mente das pessoas uma necessidade para o meu produto, independente do que seja. Mas isto não vale pra literatura. Quando mais faço propaganda do meu produto, mais as pessoas não se prestam a consumi-lo nem de graça, quanto mais pago. Maldito beco sem saída! 

Só se me aparecesse uma jornalista de corpo bem delineado e cabelos lisos e negros que visse alguma centelha de genialidade no que escrevo, ou melhor, veja algum potencial. Porque até então é óbvio que só escrevi porcarias. Mas se nem que fosse de boa vontade, esta tal jornalista garimpasse algo de bom na minha curta obra e escrevesse uma matéria sobre o escritor do sertão destinado a ser poeira e nada. E esta matéria fosse lida por um crítico literário pomposo, com um olhar clínico, segundo ele próprio, pra genialidade. E este crítico, na pretensão de ser o descobridor de uma cara nova pra literatura brasileira, comprasse a ideia da jornalista e escrevesse um artigo falando sobre eu ser um diamante a ser lapidado e mais adjetivos pomposos sobre minha obra e luta, talvez se construísse um espectro no consciente das pessoas que eu tivesse mesmo qualquer centelha de gênio. Eu seria só mais uma fraude construída pelo sistema, mas quem não é? Pelo menos eu iria ganhar algum dinheiro. Sendo uma fralde ou não, não seria mais um fracassado. Chega desta merda por hoje.

domingo, 17 de dezembro de 2017

HISTÓRIA




Na história nunca contada da minha vida, dirão que eu fui fraco;
um homem sem fé, sem objetivos...
Um inútil que vagou pelos dias como um abutre em busca do néctar das rosas; 
um louco, sempre remando contra a maré, que achou que ganharia o mundo e perdeu a si mesmo no intervalo dessa busca, ou dessa espera.
Na história nunca contada da minha vida dirão que, de tanto sonhar, eu transpassei a realidade e fui morar no fantasioso mundo de meus próprios anseios inalcançáveis, e nesta, me decompus em poeira "nunca varrida" no canto da sala de desconhecidos.

Na história nunca contada da minha vida, dirão que o tempo em minhas mãos foi tal qual areia fina levada pela brisa de um verão seco e infértil.
Dirão que eu gastei o meu tempo e nada construí, nada deixei;
não passei nem mesmo meu próprio sangue a diante, logo, nunca houve história pra ser contada.

Na história justamente nunca contada da minha vida, dirão os fantasmas que hoje sussurram tais palavras em meus ouvidos que me faltou coragem, traquejo, perspicácia, todas as características de alguém grande, e, por esta razão, a minha sina foi ser poeira em porta-retratos de desconhecidos.
Não contarão as dores e humilhações, pois elas não me tornaram forte, não me elevaram à patamares de estrela, nem mesmo me promoveram à encosto de porta no sobrado de um professor aposentado.
Mas não contarão porque simplesmente a minha guerra é silenciosa e não se nota a primeira vista que gasto o meu tempo, os meus olhos e os meus ossos nessa luta.
Desta feita, não se notará também que, mesmo eu tendo lutado com todas as forças, desistia cinquenta vezes por dia na falta de alguém com quem dividir o ardor da batalha.

Na história nunca contada da minha vida não dirão os covardes, aqueles que nunca se prestarão a contar a história daquele que nunca cheguei a ser, que eu fui só um homem de palavras na era dos sons e imagens. Não dirão eles, que eu fui um descritor da minha própria imagem desconstruída e o que faltou foi quem entendesse o som areado de uma mordida na maçã dos meus pecados.
Na história nunca contada da minha vida, meu silêncio será ouvido como um calafrio nas carnes quentes daqueles que não entenderam meus gritos enquanto eu ainda tinha voz. 

domingo, 3 de dezembro de 2017

Futuro escritor







Aos sessenta e dois anos eu serei um velho frustrado carregando a certeza que não me tornei o grande escritor que poderia ter sido porque lutei pouco. E ainda que o mundo a minha volta evidencie que tal realidade se construiu devido a minha falta de talento, eu teimarei em não acreditar, pois assim mantenho a fé que ainda posso conseguir, crente que o que me faltou foram oportunidades, não talento.

É provável que eu culpe também a ordem social que me obrigou a buscar relacionamentos duradouros, a usar roupas de marcas, a manter um maldito padrão aceitável pra que eu tivesse amigos, pra que eu mantivesse a possibilidade de me reproduzir, embora nunca o tenha conseguido de fato. E esta tal ordem também me obrigou a empregos que eu nunca quis, a suportar gente intragável, a ser quem eu nunca suportei ser, tudo pra não ser excluído de uma sociedade do TER em detrimento do SER. Assim, o tempo que eu poderia ter gasto aperfeiçoando minha literatura, eu gastei não sendo Eu. E assim mais uma vez fujo da dura realidade que o que nunca tive foi talento.

Culparei também o déficit educacional brasileiro que não incentivou a leitura. Gritarei pro meu gato preto, único companheiro que terei àquela altura, bordões como: o Brasil é um país que não lê; a maioria é constituída de analfabetos funcionais; os brasileiros só leem livros de Youtubers.
Ora, como é que eu posso querer ser lido em país de burros se meus textos são profundos, cheios de mensagens subliminares e ironia? É como jogar pérolas aos porcos.
Com esta estratégia, em vez de admitir minha falta de talento, minto pra mim mesmo que o que tive foi talento demais, e o público consumidor raso é que não foi capaz de compreender a profundidade dos meus escritos.

Vejam que, aos sessenta e dois anos, eu ainda não passarei de um adolescente sonhador que tem como principal talento negar a realidade. Nem mesmo um pouco sábio eu serei, porque se fosse, eu teria compreendido, sei lá, aos cinquenta anos, que nunca tive talento pra literatura, que seria melhor ter ido vender cheiro verde de porta em porta como aconselhou tantas vezes minha mãe em vez de sonhar ser escritor.
Mas eu sei, com toda certeza, que mesmo que eu dure oitenta anos, ainda encontrarei desculpas pra me enganar que eu tenho sim talento como Dostoiévski, Balzac e outros grandes da literatura. E sabe por quê? Porque eu não sou nem obrigado a aceitar a realidade. Prefiro viver dos meus sonhos irrealizáveis. E que a sociedade me jogue pra onde ela bem entender, que eu finja ser um professor meia boca, um garçom frustrado, cortador de lenha, um bosta em tudo, em minha mente eu ainda serei o maior escritor que este país já viu ou verá. Quer aceitem, quer não. Há quem tenha nascido pra morrer de sonhar.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O GRANDE HOMEM SEM QUALIDADE





Aquele homem sem qualidades seguia rumo ao horizonte do tempo sem conquistar absolutamente nada. Ao que parecia, ele era inútil como botões na era do touch screen. Porém ele tinha como certo que possuía grandes habilidades. Habilidades estas suprimidas pela normalidade da vida e que somente seriam externadas em situações de exceção; uma guerra, uma grande ditadura, enfim, qualquer coisa de extraordinária pra que ele se tornasse aquilo que interiormente sentia que estava pré-destinado. Enquanto isto, ele não movia uma palha de um lugar para outro, pois suas mãos supremas, sagradas, não poderiam ser utilizadas em afazeres comuns, em empregos normais; não seria ele que se enveredaria no curso da vida comum, não, carregando a certeza que possuía talento pra maioria das coisas.

Baseando-se sabe-se lá em quê, talvez na esquizofrenia, ele sentia que possuía dentre outras, as características de Napoleão, de Alexandre O grande, logo, poderia sim, se tornar um grande líder e conquistar grandes territórios. Mas aquelas competências seriam desperdiçadas se ele se utilizasse delas na sua vida pacata e comum, então as resguardava só para si.
Talvez se ele se perdesse numa floresta com um grupo de colegas, sem comunicação, sem alimento, seu espírito de liderança e de sobrevivência em situações adversas afloraria, assim sua jornada de sucesso e glória teria início, mas algo assim não aconteceria assim facilmente.

Ou, pensando no possível, talvez se um presidente louco, ou mesmo tão esquizofrênico quanto ele, cheio de bordões, discursos extremos e intolerância, assumisse a presidência do país e liberasse o porte de armas, diminuindo preços e a burocracia para que o cidadão comum pudesse possuir diversas armas facilmente, aliando isto a seus discursos intolerantes, uma guerra civil vagarosamente se iniciasse, uma vez que o Brasil não possui maturidade cidadã nem estrutura como os Estados Unidos para o extremismo. Se isto ocorresse, seria o momento do seu espírito revolucionário entrar em ação e tentar mudar o curso das coisas ou morrer lutando.

Por alguma razão ele sentia que possuía mesmo a honra de um grande soldado, daqueles que prefere morrer em batalha do que levar uma vida comum. Mas na sua vidinha de interior, o máximo que acontecia era levantes de formigas contra escorpiões no quintal de casa. Como ele iria se tornar grande levando uma vidinha de fascista disfarçado no sofá de casa? Como ele iria liberá sua selvageria? Como ele iria ser visto, senão houvesse lutas entre seus iguais de modo que ele pudesse se utilizar de sua habilidade verbal pra que todos se convencessem de que o que desejam é o que realmente precisam?
Aquele homem aparentemente sem qualidades estava mesmo destinado a não ser nada.

sábado, 28 de outubro de 2017

O psicopata comum de cada dia


Arlindo era um homem super comum; casado há mais de vinte anos, três filhos já criados - e aparentemente levava uma vida pacata ao extremo. Rotineiro, ele fumava onze cigarros por dia, tomava três cafezinhos durante o trabalho e penteava o cabelo de meia em meia hora sempre para o mesmo lado com o pente que já o acompanhava há trinta anos. Além de metódico, ele era um homem acomodado em tudo. Fazia vinte e três anos que trabalhava como ascensorista de elevador e não galgava nada além. Para ele, qualquer ato de mudança não era visto com bons olhos.  

Imagine que antes de se casar, lhe foi instruído pelos pais que ao ir morar sozinho, ele evitasse construir uma rotina para que a esposa nunca soubesse os horários que ele  voltaria para casa, assim, evitaria traições. Mas como ascensorista e sistemático, ele tinha seu horário fixo: saía às sete e meia em ponto e sempre retornava às três da tarde.  Assim sendo, fazia mais de vinte anos que ele carregava a certeza que era traído, mesmo que não fosse.       

Mas Arlindo era pacato na rua e no trabalho, dentro de casa tratava a esposa como escrava e batia nela frequentemente, embora negasse que cometia tais atrocidades. Sempre que a esposa dizia que ele era violento, ele repetia com frases feitas: “eu nunca encostei a mão em ti. Nunca deixei nenhuma mancha roxa ou hematomas. Então me diz quando eu te bati?”  Era assustadora a certeza  com que ele repetia aquelas frases. Para ele os motivos das surras eram tão justos que as pancadas eram atos de disciplina e não de violência. Ele simplesmente se isentava da culpa e transferia tudo para esposa, logo, não carregava um pingo de peso na consciência.

No aniversário da esposa de trinta e sete anos, vinte anos depois, Arlindo resolveu seguir o conselho dos pais e sair da rotina no intuito de pegar a "vagabunda" no flagra. Abandonou o elevador e retornou para casa às dez da manhã. Enquanto retornava, já se enchia de ódio, pois em sua cabeça já era certo que ele teria que matar a mulher e seu amante. Era incrível a habilidade que ele tinha de criar certezas baseadas em suas desconfianças.

Ao chegar a casa, não encontrou ninguém na sala, então se direcionou a cozinha para pegar o rolo de macarrão já planejando como não ir parar na cadeia depois de um duplo homicídio. De arma em punho, ele caminhou vagarosamente em direção ao quarto do casal. Ao abrir a porta, o quarto também estava vazio - mas era totalmente vazio mesmo. Dos móveis só restava um grande espelho com uma frase escrita a batom: fui embora seu babaca! Ao se deparar com aquela nova realidade, aquele mestre em criar certezas ficou decepcionado, mas não com o fato de a esposa o ter abandonado, e sim porque nunca tinha passado em sua cabeça que ela seria capaz de um ato tão corajoso.   

domingo, 22 de outubro de 2017

Meia volta



Aos oito anos, acordaram entre si que se casariam tão logo completassem vinte anos. "Bem, dezoito, na verdade. Se possível, com dezesseis seria uma idade mais razoável".  Ora, esperar doze, dez anos, não seria viável, mas oito, era um tempo relativamente curto. Encantados, não atentavam para a matemática e não se importavam com o fato de que teriam que viver exatos mais uma vida até a data de se unirem pra sempre.  

Enamorados, trocavam bilhetes, regalos, sorrisos... Era como se aquele amor inocente fosse durar pra sempre. Tinha a escola que os juntava por quatro horas diariamente. Durante as tardes, se viam às três pra um refrigerante na casa de um ou de outro. Nos finais de semana iam à igreja e por assim iam...  
Até para os pais de ambos,  parecia mesmo que iriam permanecer juntos pra sempre. Já  tinham chegado ao ponto até de  adquirir certa semelhança física um com o outro, tamanha era convivência. O que mais se ouvia na cidade era que eles formavam um casal perfeito.   

À medida que o tempo ia passando, como era de se esperar,  a menina se desenvolvia mais rápido. Aos dez anos, todos já a chamavam de mocinha. Ele, no entanto, permanecia com as mesmas feições de quando tinha oito anos. Ela completou onze, doze, lhe surgiram curvas de mulher, seios, e ele, coitado, com exceção de uns centímetros na estatura, não havia mudado em nada. Então, no processo de desenvolvimento, aos poucos eles foram naturalmente se afastando, ao ponto de sem conversar sem nada, não  andarem mais juntos, pois ela não queria ser vista com uma criança. E ele entendeu isso depois de ser ignorado e humilhado umas cento e oitenta e três vezes, no mínimo.   
Ainda sim,  quanto mais ela crescia, mas o pobre menino morria de amores. Ele foi obrigado acompanhar, embora de longe, os rapazes mais velhos assoviarem, elogiarem, tocarem e beijarem a sua amada sem poder mover um dedo. Era de matar.

Mas como o tempo não para, aos catorze anos, o garoto deu aquela esticada típica de todo adolescente. Mas não ganhou corpo, era somente um adolescente espinhento de pernas finas e alto.  E como era de se esperar, se antes ela não queria andar com uma criança, com um moleque feio que todas as meninas tiravam sarro, era que não seria possível, de modo que não havia esperanças de retomarem pelo menos a amizade da infância, quanto mais um namoro.

Aos dezesseis, eles ainda se viam, mas sempre que se esbarravam, sentiam qualquer coisa  embaraçosa, pois se lembravam da promessa feita enquanto criança. Ainda mais aquele ano que seria o ano do casamento. Mas ela havia se tornado uma linda mulher, cobiçada por toda a cidade, não iria nunca mais olhar pra ele. E nesta de achar que tinha o mundo masculino aos seus pés, ela foi se dando ao mundo como quem se joga em um lago sem espinhos.  

Aos dezoito, o adolescente magricelo, aquela altura mais arrumado, foi pra faculdade.  A moça bonita de quadris largos e seios fartos, no entanto, por ser muito cobiçada, não lhe faltava convites pra festas, casas de praias e tantos outros lugares mais divertidos que a faculdade, logo, seguiram cada um pro seu lado.
O tempo foi passando, atingiram os vinte e cinco, vinte e seis, ele ainda se lembrava dela uma vez ou outra, talvez até ainda resguardasse alguma centelha daquele amor da infância e adolescência, mas era coisa do passado, amor que dá e passa; sentimento passageiro que ele sentia de segundo em segundo. 

Aos 32, ele professor universitário, solteiro, na sua melhor forma, não tinha interesse em se amarrar a ninguém. Parecia que aquele amor do passado iria mantê-lo sozinho pra sempre. Até que um dia, ao retornar a sua cidade natal, ele resolveu saber do paradeiro daquela que foi o seu amor a vida toda. E certo que a encontrou facilmente na varanda da sua antiga casa numa tarde de sexta. Ao vê-la de longe ele sentiu uma raiva estranha. Escondeu-se, passou a observa-la: ela ainda mantinha certas características do passado, embora adicionado uns bons quilos aquele corpão de quando tinha vinte anos, na verdade só os  olhos eram os mesmos. Então, antes que ela o visse, ele deu meia volta e foi-se embora contente em ser testemunha das voltas que o mundo dá.      

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O afinador de pianos



Horácio faleceu às quinze horas enquanto afinava o piano de Anastácia Vespato pela enésima vez nos últimos quatro anos. Por razões que ambos conheciam, aquele piano tinha o dom de desafinar ainda que ninguém o tocasse de dois em dois dias. 
Anastácia ostentava setenta e três anos e Horácio poderia ter completado setenta e seis, senão fosse aquela natural fatalidade enquanto ele pressionava repetidamente o dó do piano aquela tarde. 

Anastácia preparava um chá na cozinha para que tomassem depois que Horácio constatasse que o piano se encontrava tão afinado quanto dois dias antes. 
Ambos sentariam na varanda, Anastácia lhe serviria o chá, lhe ofereceria biscoitos que ele recusaria com um gesto de negação. E passados exatos um minuto e meio em silêncio, Horácio perguntaria a quantas andava os planos da pintura da casa, e Anastácia responderia que ainda estava em dúvida sobre as cores, embora já tivesse assuntado com o pintor pra que ficasse atento que tão logo ela se decidisse, iria chamá-lo. Horácio então sugeriria salmão. Anastácia responderia que não tinha um gosto acentuado por peixes. Horácio riria e diria que salmão era uma boa cor para as paredes da sala, e não estava convidando-a pra um jantar regado a salmão. Anastácia, mesmo já tendo vivido a mesma situação diversas vezes, riria abertamente e diria que embora vivessem hibernando, não eram ursos pra comerem salmão. Ambos cairiam na gargalhada, pois Anastácia teria adicionado um fato novo aquela conversa. Horácio ficaria feliz, pois compreenderia que um dos dois tinha se preocupado em tornar aquela situação, para ambos prazerosa, mais atraente ainda. 

Anastácia lentamente corria no forno, verificava os biscoitos e absorta em seus próprios pensamentos, não percebia que as notas do piano não eram mais emitidas lá da sala. Ou talvez já tivesse notado, mas no seu subconsciente, Horácio só tinha demorado menos tempo fingindo que afinava o piano já afinadíssimo.
Como ela queria que ele em vez de tentar afinar tocasse qualquer coisa, talvez Villas Lobo. Mas desde que se conheceram, nem ele nem ela, haviam tocado nada para o outro naquele piano que dadas as vezes que era afinado, talvez não houvesse em todo o mundo um piano que emitisse notas mais perfeitas. 

Já havia alguns dias que Anastácia treinava uma composição de Vangelis, um compositor pop, segundo a televisão, no intuito de tocar para Horácio, pois não era justo que ele afinasse tanto o piano sem nunca ouvir música de verdade saindo de suas entranhas. 
Anastácia tinha tantos planos para aquela tarde. Tencionava até em pedir que Horácio ficasse para o jantar. Eram vizinhos e ambos solitários, então, não custava nada se proporcionarem um pouco mais da companhia um do outro. 

Depois do chá pronto, exatamente na medida que Horácio apreciava, enquanto ela preparava a bandeja, sem saber como, ela repara nas flores pintadas nas bordas dos pires; eram cores tão vivas que a fizeram lembrar de sua mocidade, quando corria pelas ruas da cidade apreciando as flores que cresciam nos terrenos baldios. Então lhe ocorreu a caprichosa ideia de colocar uma rosa artificial que tinha no armário no centro da bandeja. Feito isto, ao vislumbrar aquela bandeja colorida que mais parecia uma pintura de "natureza viva", constatou que tinha sido uma ideia muito acertada. Ela sorrio por dentro.

Depois de tudo pronto, Anastácia respirou fundo e se direcionou a sala com mais vida do que de costume. Ao caminhar, ela estranhou o barulho dos seus pés arrastando-se no piso da casa, pois nos dias anteriores, o som do piano suprimia aquele barulho decadente. Eis que ali, ela notou qualquer coisa de diferente... 


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Dia da criança em mim






"Que saudade que eu tenho da aurora da minha vida"

Até meus sete anos eu vivia numa casa sem energia elétrica e ia dormir tão logo a noite trazia consigo a escuridão. Mas acordava às cinco da manhã tão feliz por ser dia, e com uma ânsia de viver, pois não pudia perder nenhum segundo da luz do sol.
Eu levantava cheio de energia, apesar, de muitas vezes ter apenas o café “churro” para tomar, como diz minha mãe. Eu adorava o cheiro da manhã, o ar frio em contraste com o sol forte das primeiras horas do dia, o barulho da colher no bule que evidenciava que tinha de fato o café. E não sinto que perdi nada com isto, pois sem luz e um mundo externo visível, só me restava imaginar - e como eu imaginei...

Também enquanto criança, lembro de ouvir boquiaberto um conto de fadas intitulado "a gata borralheira" na voz doce de uma vizinha que tinha uma habilidade louvável de contar a mesma estória de forma diferente inúmeras vezes. E como só vim a ler o primeiro livro com vinte e três anos, talvez tenha sido ela que me instigara o gosto pela literatura.

Minha infância tornou-me quem eu sou: todos os medos, todas as fantasias, a capacidade de criar, tudo fora desenvolvido enquanto criança. Eu não tinha livros, televisão, vídeo game, tinha apenas minha mente e mundo real a minha volta pra fugir da realidade.
Recordo-me de passar horas sentado próximo as plantinhas que cresciam no inverno a beira da estrada, sonhando acordado que eu tinha a habilidade de encolher, então os arbustos se tornavam florestas, as poças de água transformavam-se em rios, e eu era um soldado de guerra com a missão de salvar prisioneiros, como no filme do Chuck Norris que eu via na casa do vizinho.

Desde criança, sempre fui um apaixonado galante. Todo ano, invariavelmente, eu desenvolvia um amor daqueles dos cavaleiros da Távola redonda por alguma garota da escola. Eu sonhava salvando tais princesas de maus feitores tão comuns quanto eu. Somente eu via a nobreza das princesas, para todas as outras pessoas elas não passavam de plebeias que faziam cocô como todo mundo. Eu escolhia não acreditar e tudo era tão real e palpável.

Quando criança eu tinha medo de carro preto, de estrela cadente, de chupa cabra, do "assubiador", de ficar de vovó em brincadeiras de roda e muitos outros medos, mas hoje sou muito grato à cada um deles, pois me proporcionaram uma imaginação fértil cuja é a principal ferramenta do meu ofício.
Eu não cresci na era da tecnologia, da informação, da Pepa Pig, mas não me sinto superior por isso, nem inferior, me sinto apenas um privilegiado por talvez ter sido um dos últimos que teve a oportunidade de vivenciar experiências tão ricas.

"Que saudade que eu tenho da aurora da minha vida"




Samuel Ivani

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Mente vazia, oficina do diabo




A pesquisadora carioca Suzana Herculano Houzel, a partir da contagem dos neurônios do cérebro humano e descobrir que temos oitenta milhões e não cem, como se pensava, desenvolveu a hipótese de que o quê permitiu que o nosso cérebro se desenvolvesse além dos outros animais, foi o hábito de cozinhar os alimentos.

O hábito de cozinhar se trata de uma pré-digestão fora do corpo, logo, ao ingerirmos alimentos cozidos o nosso organismo absorve uma quantidade de energia muito maior em um menor espaço de tempo, diferentemente do que se ingeríssemos somente alimentos crus.

Os gorilas, por exemplo, pra conseguirem a quantidade mínima de calorias necessitam se alimentar de folhas durante oito dez horas ininterruptas por dia. 
Assim sendo, o hábito de cozinhar nos proporcionou tempo livre que usamos pra desenvolver as capacidades cognitivas.

À medida que fomos desenvolvendo a racionalidade, foi surgindo a agricultura, agropecuária, supermercados, restaurantes, "I-food" e por aí em diante, de modo que, a cada dia que passa, nos sobra mais tempo. 
Como preencher este vazio? E se a cada dia ingerimos mais calorias cada vez com menos esforços pra consegui-las, pra onde direcionar toda esta energia? Qual será o próximo estágio da racionalidade?

Suponho que, além da obesidade, este vazio ocasiona problemas psicológicos sérios. Ora, já se sabe há muito tempo que mente vazia é oficina do diabo. Se adicionar esta mente vazia a solidão então, temos o inferno. "Não é bom que o homem viva só". 
Muitos adolescentes sedentários e solitários, ao se depararem com o vácuo de não saber pra onde canalizarem sua energia, e não fazendo nem mesmo esforços físicos pra liberarem a quantidade de serotonina necessária pra serem felizes, desenvolvem distúrbios como se cortar e etc. Basta uma fagulha, pra que ele se rebele e queria descarrilar a ordem. Não só adolescentes, mas a qualquer idade, mente vazia nos leva ao próximo estágio da racionalidade que é a loucura.

Que nos ocupemos; que busquemos canalizar nosso excesso de energia e o nosso tempo para algo útil, senão, nos surge as mais variadas insanidades como forma de preencher este vazio. 
Haja vista que quanto mais desenvolvido o país, mais ocorre tragédias em que indivíduos tiram a vida de muitos e depois a própria. Maldita hora que nos sobrou tempo pra questão do "Ser ou não Ser".

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Consequências




Desde que nasceu ele foi lançado ao Deus dará. O pai, jamais conhecera. A mãe, pouco centrada, o alimentava e vestia por obrigação. Gestos de carinho para com ele,  ela proferia somente na presença dos vizinhos numa tentativa infrutífera de manter uma boa imagem. Se lhe faltava dinheiro, ela descontava em forma de pancadas no filho; se brigava com o namorado, da mesma maneira. Sempre que se sentia infeliz com qualquer coisa, ela acabava por descarregar no filho de alguma forma. De modo que ele foi crescendo sozinho. E em meio à solidão, aquele garotinho foi cada vez mais se aprofundando em si mesmo. Não lhe foi permitido que ele construísse o seu leviatã, então os pensamentos selvagens foram encontrando terreno fértil para se expressarem. 
Ainda na mais tenra infância, ele passava horas no jardim tentando encontrar razões pra não fazer xixi nos formigueiros. Mas não encontrando, ele inundava cada um deles, e, instintivamente, sentia-se bem ao ver as formigas em fuga. Aquele gesto lhe parecia justo. 

Estranhamente, em suas noites solitárias, ele alimentava o desejo de encontrar um garotinho gordo na rua pra enchê-lo de beliscões até jorrar sangue daquele corpo macio. Mas das poucas vezes que teve chance de realizar tal ímpeto, não ficava sem consequências. Sempre o pai de alguém vinha reclamar com sua mãe e ele sempre apanhava mil vezes mais que os beliscões que ele dava no colega. Assim sendo, ele foi, aos poucos, entendendo a diferença entre as formigas e os homens. Ora, tudo tinha consequências. Nenhum ato, por menor que fosse, era perdoado. A vida tinha uma ordem que se não seguida, o convívio com as outras pessoas não era possível e as consequências eram sempre drásticas. Ele passou odiar aquelas limitações.  

À medida que ele crescia, cada vez mais sozinho, não faltava tempo pra que pensasse sobre a vida, sobre a existência das coisas e de si mesmo, e sempre chegava a conclusão que tudo era uma causa perdida. Ao chegar a vida adulta, apesar de pouco sociável, ele precisou, como todo mundo, tornar-se alguém na vida. Embora no seu íntimo ele não suportasse aquelas obrigações fúteis da vida comum, ele seguiu a ordem: estudou, trabalhou, conheceu alguém atraente, ao menos à primeira vista, e casou-se.
O matrimônio não durou muito. Não por ele ser violento, ou qualquer coisa que o valha. Até que aquele garotinho selvagem tornou-se pacato até demais após a adolescência. Era que simplesmente o mistério que existia em relação a sua esposa desapareceu e levou consigo o “tesão” que ele sentia por ela. Ela era uma mulher comum, com problemas comuns e aquelas futilidades lhe pareciam pouco agradáveis. 

Depois do divórcio, ele retornou a sua solidão costumeira. Apenas alguns relacionamentos efêmeros, nada que o obrigasse a conviver mais que uma semana com a mesma pessoa. 
Depois de trinta anos trabalhando como professor do Estado, se aposentou, foi então que o vazio da infância lhe ocorreu novamente e daquela vez com maior intensidade, uma vez que ele já não tinha mais obrigações reais para com ele nem para com outro alguém.
Sem filhos, sem ninguém que ele amasse ao ponto de lutar por suas existências, os pensamentos sombrios e o ódio pela ordem da sociedade foram tomando forma em sua mente cheia de inutilidades. Ele queria a liberdade de descarrilar a ordem sem que as consequências caíssem sobre ele, assim como inundava formigueiros no jardim enquanto criança e nada acontecia. 

Eis que, dois anos depois de aposentado, numa manhã de setembro, ele tomou um ônibus na rua que ele sempre morou e passou a rodar a cidade com destino já traçado. Numa avenida do centro, ele levantou-se, se dispôs do lado do motorista, olhou para as poltronas atrás de si; eram tantos rostos comuns, tantas pessoas preocupadas com futilidades que ele não suportava. Tomou o revólver que trazia consigo, apontou para o motorista, porém, antes de apertar o gatilho, teve tempo pra se arrepender daquele plano idiota, mas o gesto já tinha sido proferido, as pessoas já tinham visto, se ele voltasse atrás, as consequências iriam cair sobre ele. Mas não daquela vez. Foi então que ele apertou o gatilho tirando a vida do motorista, tomou o volante e girou-o a toda pra direita levando o ônibus de encontro aos pedestres na calçada. Após alguns metros, o ônibus tombou.

Quando o ônibus parou depois de atropelar dezenas de pessoas, aquele homem sem vida notou que ainda respirava, e ouvindo os gritos das pessoas na rua, gritos que eram consequências da sua loucura, procurou em volta o revólver de modo a concluir os seus planos de descarrilar a ordem e fugir das consequências, mas a arma tinha se perdido na confusão. Entrou em desespero, mas com uma perna quebrada, nada podia fazer. Ele seria obrigado, mais uma vez, enfrentar as consequências dos seus atos. Pior castigo não podia existir. 

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O corpo nu nos iguala

Uma crítica a tentativa de censura ao MAN   



Não foi o pecado original que levou o homem a esconder suas "vergonhas". Tampouco foi por vergonha que a espécie humana desenvolveu a hábito de usar vestimentas. Tal característica surgiu unicamente da necessidade de proteção contra o frio, o calor, pra camuflagem e outras razões... Mas de forma alguma foi pra esconder os órgãos reprodutores. 

Em tribos em que todos os membros vivem nus, uma vez que as genitálias estão sempre amostra, são elas vistas como qualquer outra estrutura do corpo, sem conotação sexual.   
E convenhamos, o corpo humano comum, real, sem fotoshop, sem estar exposto numa revista que o individuo aprecia em um momento particular, não tem nada de sensual. Foi depois que o homem criou o hábito de usar roupas e consequentemente esconder os órgãos reprodutores, que se criou toda esta mistificação tola. 

No passado, por exemplo, era considerado indecoroso o hábito das mulheres mostrarem os calcanhares sem razão aparente, logo, os calcanhares eram considerados estruturas eróticas. Mas era o hábito de mostrá-los sem que houvesse uma poça de lama em conjunto com um olhar de soslaio, que indicava o cortejo, não os calcanhares em si.   

Sem contar que a genitália nunca foi característica preponderante na escolha de parceiros sexuais. 
Os  padrões de bons reprodutores são: quadris largos, seios proporcionais para as mulheres; ombros largos e braços fortes para os homens. E para que tais características tornem-se armas de sedução, é necessário todo um contexto, tanto mental, como fisiológico. Elas por si só apenas fazem parte da morfologia de todo ser humano. Quer negue quer não, somos todos iguais por fora e por dentro. 

O principal objetivo da arte pura, sempre foi revelar quem somos, como somos, sem enfeites, sem hipocrisia, ou seja, nos colocar no nosso lugar.  E o uso do corpo humano nu, pode nos revelar uma dura verdade que, em nosso egocentrismo, tendemos a negar "fervorosamente", que é que somos todos iguais.   
O corpo humano, sem estar coberto de roupas caras,  sem estar travestido de uma personagem que muitos usam para distribuir preconceitos contra aqueles que eles julgam inferiores exatamente porque não podem usar a mesma marca, comprar o mesmo carro, nos revela esta dura verdade inaceitável. Então a vergonha que as roupas cobrem, não são as nossas genitálias, e sim a realidade de que somos meros pedaços de carne ambulantes.  

Homens nus são uma fronta, pois nos iguala e é preciso ser mais que alguém sempre. Senão encontramos meios de nos diferenciamos, ou melhor, de nos distanciarmos uns dos outros, a vida perde a graça. "Ninguém pode tirar de mim esta prazerosa sensação de me comparar, e ainda que só comigo mesmo, me sentir melhor por ser mais rico, mais bem vestido, mais branco, mais cheio de joias do que este ou aquele."   

Então meus senhores, parem de censurar a arte; deixem que ela continue revelando quem somos, para que nunca esqueçamos que somos iguais e que findamos sempre no mesmo abismo.
E em vez de lutarem pela censura, revelem para as suas crianças quem somos, o que somos e para onde vamos. Não deixem que elas cresçam sustentando personagens hipócritas e preconceituosas a vossas imagens e semelhanças.  

Como bem disse Fernando Pessoa: "onde é que há gente neste mundo?"   





  

domingo, 24 de setembro de 2017

Believe



A razão nunca levou o homem ao impossível.
Se quiseres ir longe, destitui-se das sanidades, reveste-se das loucuras, e que gritem, que caçoem, que desacreditem, que lhe arranquem os cílios, os dentes,
no fim, tu ainda rirá de muita gente:
Ou porque conseguiu e pode olhar a todos de frente ou por pura loucura mesmo; louco rir de tudo abertamente.

Se tu desejas ir longe, desvia-te do caminho seguido por outros;
Constrói o teu próprio traçado; será mais árduo, mais louco, mas tesouro de caminho repetido, já foi conquistado por outros;
Então caminhe sozinho, abra florestas, desenrole teu arco-íris, e estejas ciente que, no final, não encontrarás o pote de ouro.
Tu tens que juntar pedra por pedra, semente por semente e, findada a tua jornada, terás o teu tesouro e ele será constituído de gente.

Se desejas mesmo alcançar o teu impossível, não temas o ridículo;
incomode, irrite, chateie, seja quente e não morno.
Descabele-se em público, sangre, sue, tire a roupa; a arte requer homens e não robôs treinados a moda da corte.

Lança fora as fórmulas, os manuais, os mapas...
Qualquer coisa pronta só te levará aos sonhos dos outros.
Tu és único e sabe que a fórmula é
ser louco o suficiente pra, apesar de tudo, sempre seguir...
No futuro, distante ou longe, vivo ou morto,
tu olharás para teus amigos e inimigos e dirá: eu consegui porque fui suficientemente louco pra nunca desistir.

E tu?





quinta-feira, 14 de setembro de 2017

5 filmes pra te inspirar enquanto escritor


Enquanto escritor eu busco assistir tudo relacionado a literatura, e como sou apaixonado pela sétima arte, busco  sempre filmes sobre escritores ou relacionados. Tais filmes me inspiram, fomentam meus sacrifícios e batalhas e me divertem. Faço aqui uma pequena lista dos filmes que eu julgo que são essenciais pra todo escritor assistir. Não me aterei as sinopses, contarei minhas experiências, pois indicação nenhuma supera a experiência própria com qualquer coisa.

O filme tá completo no Youtube 

Fome sult (1966)

Diretor: Henning Carlsen






Fome é um filme que retrata um escritor numa cidade estranha tentando ganhar fama e dinheiro. No entanto, como nunca é fácil, ele passa por inúmeras dificuldades. Embora sem pesquisa, acho que ele foi inspirado nas ilusões perdidas de Balzac. Os filmes antigos são os melhores por conta que passam a humanidade na sua forma mais pura, mais realista, sem os enfeites dramáticos de hoje em dia. Fome não vai poupá-lo quanto a realidade da fome.   

O que me intrigou mais no filme e o que mais me inspirou, foi o fato do personagem conseguir dinheiro de outras formas que não com sua literatura, e ele não aceitar, como se aquele dinheiro não fosse justo. Relacionei isto com a minha vida e fez muito sentido. Como nunca ganhei dinheiro algum com a minha literatura, todo o dinheiro ganho por outros meios, eu não considero justo, portanto, gasto com futilidades. Dependendo do ponto de vista, o filme pode fomentar suas irresponsabilidades, ou fazê-lo se compreender enquanto pessoa. Eu ainda estou decidindo qual lição tirar dele. No mais, Fome me encantou demais e me fez compreender que todos passam por dificuldades.



Animais noturnos (2016) 

Diretor:Tom Ford 


Animais noturnos vai dar um nó na tua cabeça, mas um nó gostoso de desenrolar. Após o final eu fiquei uns três minutos refletindo pra entender. Mas depois que entendi, que sensação maravilhosa. 

Este filme, meus queridos, é um deleite, pois ele mostra como a literatura, muito mais do que um meio de entretenimento, você enquanto escritor pode usá-la pra atingir as pessoas, tanto para o bem como para o mal. Sempre usei minha literatura pra expurgar meus demônios, me vingar, mandar recados, então esse filme só me fez entender que eu não sou mal, sou somente um escritor. 
Julguei esse filme bem o estilo de Tarentino, só que sem o sangue. Vale muito a pena. 

O segredo dos seus olhos(2010) 

Diretor: Juan José Campanella



Que filme incrível! Já vi pelo menos umas dez vezes e não me canso. 
É um filme argentino que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro e com todo mérito. 
A primeira vez que assisti, fiquei somente ligado a história, depois que vi a segunda vez foi que comecei notar os detalhes técnicos. O filme é como se fosse inteiro um quadro no estilo cubista, pois os personagens nunca estão no centro do plano. Dá até um pouco de aflição, pois raramente você vê inteiramente as pessoas, só narizes, rostos cortados em diversos planos, o que é genial.

Ah, esse também vai fazer você ficar pensando alguns dias sobre o enrendo. Prepare-se pra sensações incríveis. Truman Capote se vivo, ficaria invejado de não ter contado essa história, se fosse ela real.
É um filme que é literatura pura.  





A Janela secreta(2004)

Direção: David Koepp





Inspirado  na obra de Stephen King e estrelado por Johnny Depp, Janela secreta narra a loucura que pode desencadear a sua obsessão por qualquer coisa. 

Eu gosto de literatura, vivo a literatura, mas apenas no plano surreal, embora ela acabe reverberando também no plano real, mas com as pessoas com que convivo eu não falo em nada relacionado a literatura. Na verdade quase ninguém sabe que sou escritor no meu mundo real.  

Agora no plano cibernético, transcendental, eu levo a sério mesmo e não tenho escrúpulos; uso mesmo as pessoas, mas faço questão que elas não saibam. Não mais. 
Eu cometi esse erro com meu primeiro livro publicado e acabei perdendo todos os meus amigos, logo, foi uma lição e tanto, então, embora escreva sobre as pessoas de meu convívio, faço questão que eles não saibam. Janela Secreta é um filme que todo escritor louco como eu e você, julga perfeitamente possível, portanto, que tomemos cuidado. Se você tem indícios de esquizofrenia como eu, mais uma vez, cuidado!  




Forrest Gump(1994)

Diretor: Robert Zemeckis


"Run Forrest! Run! Corre Forraest! Corre!" Essa frase reverbera na minha cabeça desde a primeira vez que assisti Forrest Gump.  
Como eu queria que tivesse alguém que gritasse bem alto pra que eu seguisse em frente todas as vezes que alguma dificuldade me surgisse. 

Oliver Cramwell disse que nenhum homem chega tão longe quanto aquele que ignora sua jornada. 
Ora, quem ignora o caminho até um objetivo se livra daquela dura decepção ao notar o tanto de tempo que leva pra se alcançar o impossível, logo, seja em qual for o tempo que atingir tal objetivo, será sempre no tempo certo. Forest Gump é um exemplo maravilhoso dessa verdade. 

Além dessas lições, você pode extrair muitas outras desse filme incrível. Ele é um ótimo exemplo de uma narração fluída, leve, mesmo tratando de temas profundos e perturbadores. 
Ah! Como eu queria um dia conseguir escrever um livro que pelo menos chegasse perto de Forrest Gump. 

Portanto, quer melhor filme pra reunir inspiração pra buscar melhorar enquanto escritor? 

Senão tiver visto, não perca tempo. 



sábado, 9 de setembro de 2017

A esquizofrenia dos androides

Jackson Pollock foi um pintor americano que tinha como técnica se desvencilhar dos próprios pensamentos humanos e deixar que sua natureza instintiva pintasse por ele.
Muitos, até hoje, tentam imitá-lo, mas alguém jamais conseguiu.
Foi o que tentei fazer escrevendo esse texto. Mas não foi fácil mesmo. Escrevi naquele intervalo entre o sono e o desperto, quando a gente não controla mais os pensamentos. O resultado tá ai. A arte meus caros, nunca vem fácil. É preciso sangue e carne pra alcançá-la.



Ela apeou-se de um cavalo no meio da nada.
Era deserto, meio dia, um pobre menino sujo apareceu e se lambuzaram de mel.
No dia seguinte, marcaram de se encontrar.
No parque, os pássaros azuis fervilhavam na água da fonte.
O sorvete, quase por terminado, uniu-os em um beijo.
Se era romântico, carnal, o sol quem ia dizer.
As palavras que saiam da boca dos dois eram chulas, sem requinte, mas eles se gostavam, e para os deuses bastava.
Depois de seis meses, resolveram que iam se casar.
Três dias depois, não restando muita coisa além de um namoro chato e conversas sobre coisas incomuns vindas lá das planícies do Himalaia, resolveram que iam terminar.
Eu não preciso dos desejos pra escrever; posso seguir em qualquer direção e minha carruagem esbarrar em vacas dos sertões - e os bifes que delas saírem me alimentarão daqui seiscentos anos.
Pensei agora na Ana, colega da faculdade, lembro dos grandes olhos dela - e o resto, pouco importa. Mas eu poderia, sei lá, tentar qualquer coisa. Mas e o amor da minha vida?
Ela notou que sou doente, raquítico e estarei morto daqui seis meses.
Talvez eu nem me importasse com o embaraço, porque eu queria mesmo era conhecer alguém que tivesse como ofício cuidar de gatos siameses.
Isso nunca vai parar, não é? - Não.
O tempo é uma engrenagem que vai pra frente sempre.
Minha vida tá tão estagnada que dá pra pensar que eu vou explodir e meus restos não serão purpurina.
Ah, como se desvencilhar dos desejos?
Era preciso pensar em outra coisa e escrever outra.
Ora, o sol do meio dia mesmo sem saber pra onde vai, não se esconde mesmo assim?
Minhas esmolas nunca dadas, permanecerão aqui.
Meus guarda-chuvas pouparão joaninhas da saudade dos androides de 1982.
Procuro meu sorriso a cada manhã, mas ele ficou lá na curva asfaltada daquela viela.
Minha solidão, meus devaneios, se envaidecem com os olhos da menina de vestido verde que pouco sorrir, que pouco ama, mas que samba na Quatorze de janeiro.
Se eu pudesse inventar qualquer coisa, criaria os ventos pra que levassem os barcos a velas que desenhei no papel pra longe das aquarelas que não inventei.
Nem mesmo sei se a garota do vestido verde ainda samba, mas os seus olhos ainda me encantam.
Ah! Ela é  insensível como rosas de porcelana.
Eu sou poeta, rimo sem querer. Que maravilha!
A saudade é coisa que não se esconde em trincheiras.
A guerra, tema sublime pra romances, não se encontra em imãs de geladeiras.
Me soa pobre, mas eu nunca fui mesmo um grande cavalheiro.
Nunca juntei chapéus de teresinhas que foram a queda foram ao chão.
Vamos poeta, deixe que as palavras surjam sozinhas.
As rezinas dos cajueiros guardam insetos dos tempos dos dinossauros
e eu nem pra guardar os broches que seguraram minhas fraldas.
Eu só guardo lembranças e loucuras.
Na verdade, guardo também uma carta perfumada que tá lá na gaveta do criado mudo.
Se eu tivesse que ir pro mar, iria bêbado - e se voltasse, seria com as espinhas do peixe de Hemingway.
Se eu fosse a um baile de formatura, seria eu quem derramaria o sangue na Carrie.
Ou talvez eu fosse mesmo era o porco de que tiraram o sangue.
Sei lá, o casal, depois de uma semana, voltaram.
No futuro, eles terão três filhos rudes tanto quanto eles.
São burros feito pedras, mas é destino deles povoarem a terra.
Tudo rima, mesmo que eu não quisesse.
Que dom! Que dom meus velhos.
Ah! meus amigos, ah meus inimigos,
no futuro, quando aqui não mais estiveres
desenvolverão teses sobre tudo que fizeram,
mas será tarde, já estarão apagadas vossas velas.
"Ah! meus amigos, ah! meus inimigos"
aproveitem enquanto eu ainda brilho,
pois não durarei a noite inteira aqui de sentinela.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Toda filosofia antes de Darwin é inútil



Seguindo a tendência, resolvi contestar toda a filosofia de Kant tendo lido somente as três primeiras páginas do livro Fundamentação da metafisica dos costumes. Na verdade, toda filosofia já produzida desde os primórdios da humanidade. (Risos) 

Kant nos diz no livro, que se a felicidade dependesse do instinto, uma vez que a natureza inclina-se sempre ao bem estar do indivíduo, a razão se imiscuiria ao instinto e este, por sua vez, prevaleceria sobre a razão. Kant então conclui que o propósito da razão não é a felicidade em si, mas sim o discernimento para escolher atos de boa vontade, que no amplo sentindo, proporciona o bem estar e uma consequente felicidade ao homem. 
Pensando assim, com a razão suprimida pelo instinto, como diz Kant, todos seriam felizes somente por existir. A razão então seria algo sublime e elevado, e não levaria aos que a estudam a desenvolver até mesmo ódio por ela. Kant usa mesmo a palavra ódio, porque sabia que qualquer um que pensasse bem chegaria a conclusão que o livre arbítrio é um martírio. Ter que escolher, buscar entender o outro e a si, e diversas outros questionamentos oriundos da racionalidade não condiz com felicidade. 

Alguns pontos importantes levaram Kant e outros grandes filósofos a produzirem uma filosofia, por muitos vista como profunda, superficial demais e pouco pragmática. 
Primeiro ponto é que desconsideraram a origem da razão e a isolaram do instinto. A racionalidade surgiu daquele instinto de "antecipar o perigo" de modo a garantir a sobrevivência do indivíduo. Ou seja, a razão surgiu do medo. Aos poucos, os homens foram desenvolvendo a capacidade de antecipar o perigo cada vez mais a frente, e esta habilidade, como sendo favorável pra sobrevivência, foi sendo passada ao longo das gerações, ou pool genético, para os biólogos. 

Se deseja saber como elevamos essa habilidade que tantos outros animais possuem ao ponto de adquirirmos a consciência de nós mesmos, você precisa ler o artigo da pesquisadora Suzana Herculano Hoezel, em que ela conta os neurônios do ser humano e suas hipóteses a respeito de como chegamos a racionalidade. Ou veja no Youtube sua participação no programa TED.  

Conclui-se então que a racionalidade, nada mais é do que uma estratégia de sobrevivência como qualquer outra que, está sim, inteiramente ligada ao instinto. E se você parar pra "pensar" 99,9% dos homens seguem somente seus instintos naturais, se reproduzindo e povoando a terra, pensando somente em garantir o sustento da sua prole, sem se questionarem sobre a razão de qualquer coisa. E estes, pode-se dizer que são aqueles que são de fato felizes. 
Ou seja, a natureza escolheu sim o instinto em detrimento da razão. Se assim não fosse, o homem seria minoria na terra, porque quem pensa não se reproduz. Basta que você que está lendo e compreendendo isso, verifique quantos filhos tem. 
Logo, o único objetivo do homem e de qualquer ser vivo é a sobrevivência até o ponto de que o indivíduo passe os seus genes adiante, isto, independente da felicidade ou da consciência dela. E o propósito da razão é o mesmo que das demais estratégias: garantir que isso ocorra. Assim sendo, todo costume oriundo da razão, converge também para este mesmo fim. 

Para que se produza qualquer filosofia útil e que faça sentido, ela precisa de início, ser pautada no instinto, onde somos menos racionais. 

Se Kant, Hegel, tivesse se pautado no instinto e não no espirito, nós já teríamos uma compreensão maior de quem somos. O instinto, a vida, com seus objetivos inconscientes, é o início de tudo, inclusive dos costumes e de toda metafísica. Qualquer um que desconsiderar isso, vai somente produzir uma filosofia para poucos, ou como dizem, de difícil compreensão, simplesmente porque é falha. Quem chegou mais perto dessa compreensão foi Nietzsche, pois levou muito em consideração o trabalho de Darwim. Bem, não podemos culpar nenhum filosófico que viveu antes da publicação da Origem das especies por essa falha.  

A filosofia pensada assim, mais parece biologia, no entanto, a metafisica se pautada primeiro no instinto, nos levaria a uma compreensão real de quem somos. Mas não pense que nos compreender intimamente é algo bom e que vai nos proporcionar felicidade. Muito pelo contrário. Basta ver que este texto lhe provocou mais ódio e inquietação do que felicidade e bem estar. 

Não negues, não mintas, eu sinto! 

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Víbora



14 anos, olhos grandes, cabelos negros e uma ganância feroz que lhe acompanhava subentendida em cada sorriso, em cada piscar de olhos, em cada rebolado que desferia propositadamente nas faces dos bobos enquanto caminhava. Não se sabia se aquela ambição lhe era natural ou imposta, mas que ela queria se dar ao mundo e em troca receber o mundo de volta, isso ela queria. 
Inquieta, aquela aparente menina meiga, nunca se dava por satisfeita; ela queria andar, conhecer, viver... É certo que todo adolescente necessita gastar as energias oriundas dos hormônios à flor da pele típicos da idade, mas ela era tal qual animal no cio que caminha horas a fio a procura de parceiros sexuais. Dizia-se que tal inquietude era devido as inúmeras cervejas que a mãe tomara enquanto estava grávida dela. Eu não sei!  Sei que, justificada pela ganância, várias outras malícias foi sendo aos poucos desenvolvida naquela garota inegavelmente bela e perigosa. Sem escrúpulos, ela pisava, sugava e iludia aqueles coitados que se deixavam levar por seus encantos, e acreditem, como eram tantos...  

Apesar de jovem, ela era mestre na arte da mentira. E como mentia aquela menina! Talvez exatamente por influência dos pais, ou porque a ensinaram mentir, ou porque se deixavam acreditar em suas falácias, lhe dando assim margem pra continuar no erro. Se ontem ela havia ido pra uma missa na cidade vizinha; hoje tinha um aniversário da filha recém-nascida de uma amiga sabe-se lá onde; amanhã teria que inventar um batizado, um casamento, qualquer desculpa bem elaborada para os pais fingirem que se importavam com suas saídas diárias. Talvez suas mentiras se devessem às oportunidades, pois o que não faltavam eram homens pobres, ricos, novos, velhos, lhe ofertando praias, celulares, joias e jantares em troca de algumas horas da sua companhia, assim, não lhe faltavam opções. Mas esses homens só ganhavam mesmo seus sorrisos poucos sinceros, seus olhares de soslaio, suas cruzadas de pernas de minissaia, e a exibição de uma menina linda e nova em algum restaurante caro e nada mais. Ora, ela sabia que guardava um tesouro valioso que a partir do momento que o primeiro tocasse, perderia gradativamente o valor. Assim sendo, ela o mantinha a sete chaves, embora aos mesmos custos do vulcão ao tentar conter as lavas antes da erupção. 

Naquela vida, cedo ou mais cedo ainda, era sabido que o seu tesouro seria resgatado, ou entregue a alguém, portanto, ela foi instruída que tomasse precaução de pelo menos entregá-lo para alguém de posses. "É melhor que encontre uma árvore que te proporcione sombra". - Escutava ela essa frase dos próprios pais quase que diariamente.  Não julgo-os, é natural do homem querer garantir segurança e conforto as futuras gerações. 

Com essas malícias, ela matava á unhas coloridas uns e outros, sempre fingindo para aquele que lhe fazia companhia no momento que não havia mais ninguém na sua vida. Porém, sabendo esses outros que sempre existiam outros, se matavam de ciúmes e, por conseguinte, elevavam seus esforços a estratosfera para mantê-la por perto. E ela sabendo disso, sorria como quem tudo queria; fingia que sentia ciúmes de todos, ou talvez possessiva, nem precisasse fingir, o que a tornava a mais bela víbora do deserto. Ela mantinha aqueles homens competindo por ela como uma cadela no cio que deixa os machos brigarem entre si para, no final, escolher o vitorioso. Não a julgo por isso, ela só estava sendo humana.

Ora, astuta, ela sabia que tinha todos nas mãos e que bastava um piscar de olhos pra que eles lhe trouxessem refresco e uvas à boca. E ninguém, por mais bruto que fosse, conseguia feri-la, nem mesmo com golpes de vestidos de seda. Ah, ela tinha o trejeito natural ou ensinado de ganhar os homens e moldá-los a sua maneira. E como ela usava tais habilidades... Seu único defeito era a pouca idade e consequentemente os hormônios que carregava no corpo, pois uma hora ou outra, era certo que algum homem experiente iria usar  o seu tesouro. Era só questão de sorte, ou azar de quem estivesse com ela no momento que as lavas do seu tesouro entrasse em erupção, pois não importaria as instruções, os sábios mantras, ela certamente o entregaria a um mendigo, se ele estivesse por perto. Sabendo disso, todos que conviviam com ela, torciam, recorriam a simpatias, sacrificavam cordeiros, rezavam e imploram aos céus pra que fossem eles e não outro a ter essa sorte, ou como disse, azar.

Porém, tanto esforço em manter seu tesouro seguro foi por água a baixo quando um colega da turma da escola foi fazer um trabalho na casa dela ás nove da manhã em um dia que seus pais deixaram-na sozinha. Que desgraçado! 

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Torto





Amar a mim? Não aconselho!
Sou inconstante, temperamental,
Desvairado, volúvel;
Eu posso amar-te em segundos sem razão nenhuma,
E posso odiá-la horas,
Mesmo que me dê todas as razões para amá-la.
E sou daqueles egoístas cujos
se importam apenas com as próprias razões.

Amar a mim? Não, não devia.
Eu não sigo a ordem dos demais no espaço,
Tão pouco no tempo;
Posso entregar-te flores em datas comuns
E esquecer de propósito dias importantes.
Posso viver de futuro, de esperanças,
E morrer de presente, por mais belo que se apresente.

Não! Amar a mim, terrível ideia.
Não compreenderia;
Posso acordar para ouvir as cores dos pássaros
nas noites de lua.
Vê que loucura?
Posso querer correr na chuva em direção alguma.
Posso querer passar horas a vislumbrar
Joaninhas em um tronco qualquer
Pois elas me trazem lembranças
de momentos que não vivi.
Vê que loucura?

Amar a mim? Não, não devia mesmo.
Eu sou fraco, medroso,
Precisaria que tivesse coragem por dois.
E vivo de sonhos; sou um sonhador.
Crio o meu próprio mundo e o resto que se exploda!
Sem contar que carrego a pior das moléstias:
Sou um romântico demasiadamente racional.
E ainda há o mais grave: eu imagino.
Não queira amar alguém que imagina!




domingo, 3 de setembro de 2017

Revelação




Desde que se entendera por gente, aquele menino se deu conta de uma centelha azul que carregava no peito que lhe conferia uma certeza: ele havia nascido para algo grande. Não sabia o que era, mas tinha como certo que iria chegar tão longe quanto ele próprio jamais supusera.

De origem humilde, tudo que ele podia sonhar aos moldes de sua realidade era conseguir alguns metros de terra pra arar e manter um rebanho de cabras, isso, se sonhasse alto. Se tivesse mesmo que imaginar o impossível, ele poderia sonhar em ampliar o rebanho e comprar mais alguns alqueires de terra. Ora, saindo do nada, um homem que conseguisse tamanhas conquistas já seria grandioso.
Mas o problema era aquela bendita ou maldita centelha no seu peito que lhe repetia sem cessar:
"Tu nasceste para algo grande! Não se conforme com a ordem que a vida lhe conferiu!"

Apesar das certezas, tudo lhe parecia muito vago. Aquele sonhador procurava em si algum talento especial, uma habilidade física, uma afinidade para as contas, um timbre para ópera, ou mesmo mãos hábeis para a pintura, mas nada lhe ocorria além das dúvidas. E a vida pressionando o tempo todo pra que ele se entregasse a ordem e começasse lutar por aqueles sonhos que ele sabia que não eram dele.
Por um tempo, a miséria e as dores ao longo da vida o fizeram mesmo se entregar, ao menos pra manter as futilidades da juventude. E a centelha lá, no lugar de sempre - e no fundo - era ela que o mantinha de pé, que lhe dava forças pra continuar naqueles empregos que detestava, pois tinha como certo que não iria precisar ficar ali pra sempre, pois "grandes coisas estavam por vir". Pelo menos era o que ele acreditava. Era como viver segurando uma bomba relógio sem ter a chance de olhar o marcador.

Ele refletia que aquela centelha devesse ser um pouco mais clara e lhe mostrar logo qual era a sua grande habilidade que o levaria ao topo do mundo. No entanto, lhe ocorria que talvez seu talento fosse de atirador de elite, mas como jamais vira uma arma, ele poderia passar a vida sem se descobrir devido à falta das ferramentas certas. O seu talento poderia ser, na verdade, qualquer coisa, mas vivendo na roça, as chances dele se deparar com as ferramentas pra descobrir a si mesmo eram mínimas.

Sonhador irremediável, ele seguia conformado com a lama do seu presente se baseando nos louros do futuro. Ele sabia que tudo lhe seria revelado, como num passe de mágica mesmo: em um dia iluminado, sem que ele buscasse, um anjo do céu, um alien, um andarilho com a missão de lhe revelar a sua missão grandiosa, olharia nos seus olhos castanhos de tão comuns e diria: filho, tu nasceste com a missão especial de... Qualquer coisa que ele ainda não cogitava o que era.
Enquanto isso, o tempo passava sem parar e a vida lhe sacudindo pra onde bem entendesse. E ele suportando tudo calado. Até que, depois dos vinte anos, embora a centelha ainda estivesse lá em algum lugar, já perdia quase que completamente o brilho. Pensou ele que o combustível para manter aquela centelha azul acesa era os hormônios da adolescência, e o tempo estava naturalmente apagando ela. Por não ser mais tão jovem, ele já se dava conta que talvez não tivesse nascido mesmo pra nada grandioso.

Aquela altura, ele tinha largado os estudos pra trabalhar, mas descobriu com o tempo que, com certeza, a sua habilidade especial não era pra arar a terra, muito menos pra ordenhar cabras.
Ao lhe ser revelado isto, ele desistiu dos trabalhos manuais e resolveu voltar a estudar aos 21 anos. Nesta época, da antiga centelha só existia mais uma fina fumaça cuja evidenciava que um dia ela estivera acesa.

Eis que, enquanto concluía o ensino médio, numa aula qualquer, por impulso, aquele sonhador destratou uma professora de Português ao tal ponto que as lágrimas molharam as suas faces rosadas. Aquele jovem burro, porém, não suportou ser a razão das lágrimas de uma mulher. Era preciso se redimir. 
Em outra aula,  a mesma professora resolve delegar aos alunos a tarefa de escrever um texto com tema livre. Era a chance daquele sonhador de se redimir e mostrar que, no íntimo, ele não era o idiota do triste episódio anterior. Foi assim que, entusiasmado, ele descreveu o amor no papel pela primeira vez. Mas não na forma abstrata, ele se utilizou das características reais de uma moça que encontrou no corredor, de modo que foi até fácil.

Depois de uns dias, a professora retornou com o texto e lhe disse às palavras que mudaram a sua vida: "Eu não sabia que você era assim! Você demonstrou neste texto uma sensibilidade que não condiz com a personalidade que você emana para o mundo”.
Foi assim que ele concluiu:
- Então é isso! Eu sou escritor! 
Mas não pode ser?! Eu odeio ler!

Mesmo odiando a leitura e sem ter lido um único livro por completo até então, aquele jovem sonhador se descobriu escritor.

Agora só precisava escrever algo sublime e maravilhoso de modo a se tornar o grande escritor o qual ele acreditava estar destinado! Mas o quê?